quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Homenageando a Catalunha - parte I

O texto de hoje foi feito pelo amigo Guinter, que, assim como a gente, encontra-se desterrado fazendo doutorado sanduíche. Ele está na cidade de Girona, na Catalunha, e escreve aqui sobre algo que os jornais brasileiros tão deixando passar batido: o referendo pela Independência da Catalunha. Um texto de muita qualidade, com bastante reflexão e tem até uma zueirinha, porque ninguém é de ferro.  A gente dividiu ele em duas partes, para os leitores irem acompanhando com calma e dando uma olhada numa realidade diferente da nossa, mas com olhos atentos e mente aberta. Com a palavra, o nosso correspondente além-Pirineus. :)

Procurando entender independências sérias (e outras nem tanto): a Catalunha e seu procés

Bom, há algum tempo que vinha pensando em escrever minhas impressões e reflexões sobre a Catalunha e seu momento político. Mas lembrei que não tinha um blog ou coisa do gênero. Aí, neste momento que em terras brasileiras a nossa desprezível elite, tacanha como sempre, fala em separar o país em dois, Sul/Sudeste e Norte/Nordeste, resolvi escrever, lembrando que tenho grandes amigos que têm um blog sobre suas impressões a respeito da França. Ju e Fer, valeu pelo espaço concedido!

Estou na Catalunha há três semanas. Ou melhor, em Girona. Deve ser a terceira ou quarta cidade em tamanho na Catalunha, contando com um pouco menos de cem mil habitantes. O centro da cidade e seus arredores é bem movimentado, e o bairro histórico é muito legal, preservando inclusive uma boa extensão de muralhas do período romano/carolíngio/medieval. Sem contar museus, o parque da Devesa, e as Fires de Sant Narciss, festa local com atrações durante toda esta semana.

Bem, estou aqui há menos de um mês, ainda não conheci Barcelona (além de seu aeroporto) ou outras cidades catalãs, muito menos outras regiões da Espanha. Mas pelo convívio diário com pessoas e outras experiências, o slogan Catalunya no és Espanya começa a fazer sentido pra mim...


Creio que não haveria um melhor momento político para experienciar os particularismos catalães e suas traduções políticas. Nesses últimos meses, têm se vivido por aqui o Procés que deve – ou deveria – culminar no dia 9 de novembro, o 9N, uma consulta pela qual a população da Comunidade Autônoma da Catalunha (o Reino da Espanha, desde a constituição pós-Franco de 1978, é composto pelas comunidades autônomas, unidades políticas com relativo grau de autonomia) deve responder “sim” ou “não” a duas perguntas: 1) quer que a Catalunha seja um Estado? e 2) se sim, quer que seja independente? Ou seja, os catalães têm a possibilidade, por meio de um referendo, de decidir sobre uma questão que historicamente os têm mobilizado.


Para resumir rapidamente: a proposta de referendo foi ratificada no final de 2012 por Artur Mas, da CiU (Convergencia i Unió), presidente do parlamento catalão, a Genaralitat. No entanto, o governo central espanhol, encabeçado pelo presidente Mariano Rajoy, do PP (Partido Popular), recentemente respondeu com a impossibilidade de realização do referendo, alegando sua inconstitucionalidade. Não preciso nem dizer como os catalães chiaram. Como resposta, depois de algumas vacilações, o governo da Generalitat, através de Mas, garantiu que o referendo será realizado, mesmo que informalmente.

Antes de chegar aqui, já sabia alguns poucos elementos a respeito do sentimento de identidade catalã, e suas desavenças com a Espanha, mais especificamente com Madri. No entanto, me impressionou quando do primeiro dia em Girona, o número de bandeiras da Catalunha penduradas nas janelas, assim como mensagens que afirmavam o desejo de poder votar no 9N e a intransigência do governo espanhol.


Mas uma pergunta ficou matutando na minha cabeça: a pauta soberanista/independentista dos catalães é levantada por quais grupos no espectro político? Ou melhor: é uma causa conservadora, uma patriotada (o último refúgio dos canalhas, consultar história do Brasil), ou uma demanda de soberania e autonomia, mais progressista? Bom, como brasileiros, sabemos de fato o que é viver em um país muito diverso culturalmente. Só que essas diferenças não traduzem concretamente a ideia de sentimentos nacionais sufocados por uma unidade maior chamada de República Federativa do Brasil. Temos dialetos muito diversos e ricos, mas todos falamos português. (Talvez em termos linguísticos, algo parecido de idiomas minoritariamente falados diga respeito às comunidades indígenas, especialmente no que tange a seus direitos de receber sua educação em suas línguas originais). Além do mais, vindo do Rio Grande do Sul, eternamente desconfio da linguagem do separatismo, pois claramente se manifesta como uma pauta conservadora, preconceituosa e xenófoba. (O cenário imediato pós derrota eleitoral da direita no Brasil escancara isso). Por isso a pulga me coçava muito atrás da orelha...

Então, fui atrás de mais informações na Internet, textos e reportagens de canais (sérios) de mídia digital. (Recomendo especialmente uma entrevista com o historiador Josep Fontana, no site português Esquerda.net ). Mas acima de tudo, me pus a conversar com pessoas com as quais fui me envolvendo aqui em Girona. No hostel, nos restaurantes, na universidade, com os amigos que tenho feito...

(continuarà...)

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