terça-feira, 30 de setembro de 2014

Eleições - Parte II

O Fernando escreveu ontem sobre eleições e levantou a bola para mim: fazer um texto sobre as repercussões da gincana eleitoral brasileira aqui na França. Isso talvez porque eu esteja lendo as notícias daqui, mas também porque ele é preguiçoso.

Semana passada (eu acho) vi na minha timeline algumas pessoas compartilhando um texto sobre a Marina Silva que saiu no jornal francês L'Humanité intitulado "Marina Silva, a nova direita brasileira". A chamada de capa não deixava por menos, dizendo ser a candidata criada por Washington para derrubar Dilma. Sendo um jornal declaradamente de esquerda, a reportagem do L'Humanité não surpreende: aponta para os parceiros de direita (Neca Setúbal e cia.) e para a política neoliberal proposta. Para quem lê em francês, o texto está disponível nesse blog aqui.

Um adendo importantíssimo: aqui na França, como nos EUA, e no resto da Europa, o pessoal "dá nome aos bois", ou seja, as posições políticas dos jornais são declaradas, não é a falácia da imparcialidade que vivemos no Brasil. Essa ideia de que um grupo de mídia não tem posicionamento político é uma bobagem, e aqui os jornais assumem suas posições e avaliam o cenário internacional conforme uma determinada linha editorial. No Brasil, a gente tem revistas como a Veja que estão cada vez mais próximas da extrema direita e, ainda assim, não assumem sua posição editorial de fato.

Mas voltando à vaca fria: como essa recepção da eleição brasileira aqui me interessava bastante, fui atrás de outras notícias sobre o assunto nos jornais de maior circulação. Lendo algumas dessas notícias (todas da última semana) chama a atenção algumas nomenclaturas e alguns apagamentos, o que já era esperado. Para começar, confesso que ler que Dilma é uma candidata da "esquerda" me soou estranho na primeira leitura (para o Le Parisien ela é); já Luciana Genro é considerada candidata da extrema-esquerda (o que sobra para o PSTU?!?!) pelo Libération. E aproveitando o ensejo: os candidatos menores praticamente não são mencionados. O debate de domingo passado, por exemplo, que teve como grande destaque negativo as criminosas afirmações de Levy Fidélix, só foi mencionado vagamente e sempre em torno de Dilma e Marina. Aécio mal aparece, quase entra na conta dos "pequenos": aparece nos dados de pesquisa, nada mais (no Le Parisien, o candidato tucano é referido como "social-democrata", o que mostra que os franceses ainda não estão entendendo nada).


Assim, sendo o centro do debate Dilma e Marina, os jornais intercalam entre informações sobre a recessão econômica que o país viveria, pauta da direita do Fígaro e da direita-católica do Le Croix.  O Les Echos, liberal, destacou ontem a última pesquisa favorável à reeleição e suas consequências imediatas: bolsa em queda, desvalorização do real (hoje o jornal deu destaque ao debate do último domingo, segundo eles "agressivo" e que girou em torno de discussões sobre a economia)

Já o Le Parisien (centro) ficou em pautas mais neutras: hoje destaca a batalha de Dilma para evitar um segundo turno, trazendo dados das últimas pesquisas e terminado com um breve comentário acerca das acusações trocadas por Dilma e Marina do debate de domingo (texto em francês aqui). O Le Monde, que se diz centro esquerda, e é o mais conhecido fora daqui, tem dado bastante evidência a Marina: em reportagem de 27 de setembro destaca que Marina Silva não é uma unanimidade entre os evangélicos (infelizmente não consigo ler a reportagem sem pagar, je suis desolée). No dia anterior, havia destacado um perfil da candidata.

O Libération, centro esquerda ou esquerda social-democrata,  no dia 22 já chamava a atenção para queda de Marina e no dia 24 de setembro destacou o apagamento das discussões sobre aborto e direitos GLBT entre os principais candidatos (acho que rolou até uma insinuação de que os candidatos se escondem dessas pautas na pauta econômica). Destaques da reportagem: ao comentar o debate organizado pela igreja católica um ponto de exclamação entre parênteses e a possibilidade de reflexão proposta no texto através das falas do sociólogo Rudá Ricci, que define o Brasil como um país paradoxal, liberal e reacionário. (Essa terra não é para principiantes, já disse o Tom.) Segundo o raciocínio proposto, os pobres são estigmatizados no Brasil, acusados de abortar, se drogar, etc., assim, quando há um recuo nas taxas de pobreza e esses pobres ascendem economicamente, assumiriam uma postura reacionária como forma de demarcar sua nova condição social.

Isso dá pano para manga: a maior dificuldade dos franceses em nos entenderem é que eles parecem não saber muito sobre mobilidade social. O Estado de bem-estar social aqui já é bem acabado, resiste às pressões de austeridade vindas da União Europeia (frau Merkel) e, apesar de existir miséria na França (e cada vez mais), não parece que eles conhecem essas histórias que a gente tanto gosta de gente que veio de baixo e subiu na vida. Portanto, a ideia de que quando subimos de vida renegamos o nosso passado ecoa muito.

Quem deu a morta foi o Fernando: não deve ser fácil para eles entenderem um país no qual a dialética  sai do papel e se concretiza...

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Eleições - parte I

Gente, eu ia fazer um texto sobre Levy Fidelix e sua performance no debate de ontem. Mas não vou mais, não. Como diz o ditado popular gauchesco, não vale a pena gastar chumbo em chimango. E de mais a mais, dar ibope para esse sujeito é ignorar que o lugar dele é a lata de lixo da história mesmo. A quem caiu no conto do bigodudo do aerotrem, o Porta dos Fundos me representa melhor (clique aqui).

Mas não tem como não falar de eleições, no final das contas. Estamos cada vez mais ansiosos para o processo eleitoral, sendo que dessa vez não vamos participar, ficando apenas com o papel de espectadores nessa peleja. E eleições, assim como futebol, tem um quê de misticismo quando a gente tá ali, ao vivo, acompanhando as movimentações. Quando a gente vai no estádio, a gente se sente um fator determinante no andamento do resultado. Acompanhando as eleições in loco, dá a mesma sensação. Mas o bizarro é que nem eu e nem a Juliane sentimos isso; só agora, que a gente tá a léguas de distância, é que a gente sente o peso dessa eleição. Mas muito mais na condição de espectador mesmo.

Aqui em Paris eu cheguei a conclusão que seria possível pensar em dois tipos de votos: os que eu realmente faria se estivesse no Brasil de um lado e os votos-de-espectador de outro. É mais ou menos com aquela coisa de torcedor, que tem o time do coração de um lado e os times que ele simpatiza de outro. Teria ainda uma terceira modalidade que é o anti-voto, onde qualquer voto contra um determinado candidato seria quase uma vitória - que no final das contas, é a mesma coisa que ficar "secando" um rival. Eu, por exemplo, seco descaradamente Lasier "essas-mais-de-mesa" Martins (PDT) nas eleições para o Senado rio-grandense. O mesmo não faço com figuras políticas asquerosas como o Pastor Everaldo (PSC), porque ninguém perde tempo secando time pequeno.


Porém, acompanhar essas eleições tem sido difícil, já que estamos perdendo muitos dos debates, exceto os trechos que os amigos selecionam para colocar no Facebook. Estamos ficando cada vez mais por fora da corrida eleitoral, mesmo com os amigos nos dando informes virtuais sobre o que anda rolando. Ao mesmo tempo, estou bastante desconectado do Grêmio - parece que vencemos ontem (2 a 0 em cima do Botafogo) e estamos nos aproximando do G4, mas desde a história do goleiro Aranha estou cada vez mais afastado do tricolor.

Nesses últimos dias temos olhado os jornais parisienses para ver se falam algo sobre o pleito eleitoral no Brasil. Aqui, o assunto Marina Silva (PSB) ainda dá pano para manga (e acho que a Juliane vai poder falar disso melhor do que eu). Em terra brasilis, parece que a candidata a presidência vem perdendo fôlego cada vez maior nas pesquisas e pouco a pouco ela vai sendo associada com o que tem de pior na política brasileira. Já do outro lado do Atlântico, a gente vê o Levy Fidelix latindo...e, nesse caso, a gente pode parafrasear a Valesca Popozuda: late mais alto que daqui eu não escuto. Ainda bem. Pelo menos nesse caso.


domingo, 28 de setembro de 2014

De comer rezando (ou: Nossas aventuras na culinária francesa)

Entre as coisas que eu mais gosto no mundo encontram-se cozinhar e comer, não necessariamente nessa ordem. Quanto a comer, viajar é sempre uma aventura: mudança de temperos e de carros-chefes da culinária. Isso não me preocupava muito na viagem para cá já que a culinária francesa é famosa, e eu já tinha aceitado que comeria MUITO menos carne do que o habitual. E, além disso, como se trata de uma cidade grande de verdade, ela teria muitas opções, como de fato possui. Até aí tudo bem, o problema é que comer na rua se torna bastante caro comparado ao que se gasta para comer no Brasil. Por exemplo, em um almoço barato se gasta em torno de 12 euros (+/- 36 reais) com entrada e prato principal (mais um monte de pão e água, que aqui é de graça em restaurantes - você só paga se quiser tomar um água mineral da marca tal). Claro que para os padrões deles, com um salário mínimo de cerca de 1.400 euros, não é um absurdo, mas para gente não é refeição para se fazer todo dia. 

Já sabíamos que a tônica seria cozinhar, o que já fazíamos muito no Brasil, por economia e por prazer. Assim como sabíamos que teríamos que mudar toda a nossa dieta, norteada pela carne, já que aqui ela é bem mais cara (o preço do coxão de dentro aqui é o preço do filé de Porto Alegre, +/-). Para compensar, a variedade e a quantidade de queijos e cogumelos (a preços dignos!) é inimaginável. Assim, de início o nosso raciocínio era substituir a carne pelo cogumelo, o que funciona. Escondinho? De cogumelo! Massa? Com cogumelo! Até salada com cogumelos a gente fez. O próximo passo é fazer um carreteiro de cogumelos (porque risoto de cogumelos é muito mainstream - mas eu adoro, diga-se de passagem).

Mas confesso que até agora não tínhamos comido um prato daqueles de "comer rezando" e chorar no cantinho, o que pra gente, que gosta de cozinhar e comer, é uma pena. Assim, para resolvemos o nosso "problema", decidimos nos aventurar pela culinária local tradicional com a ajuda do Google.


Optamos por fazer o famoso "Coq au vin", que em bom português seria "Galo ao vinho". A receita tradicional fala em um galo inteiro, aproveitando assim inclusive o fígado do Coq, mas optamos por uma receita mais "moderna", com galinha e sem fígado, s'il vous plâit. Optamos pela receita desse site aqui e fizemos algumas adaptações. O prato é relativamente fácil de fazer e vou dividir a receita com @s colegas porque dá para fazer no Brasil e é MUITO gostoso. 

Ingredientes (receita para duas pessoas):

4 sobrecoxas (sem pele)
50 gr. de bacon defumado 
100 gr. de cogumelo Paris
2 cebolas pequenas
50 gr. de manteiga
Farinha de trigo
50 ml de conhaque
150 ml de vinho tinto
1 tablete de caldo de frango dissolvido em uns 300ml de água
1 dente de alho
1 bouquet garni (conjunto de ervas aromáticas, como tomilho, louro e salsa - nós compramos pronto no supermercado, no Brasil dá para montar)
Sal e pimenta preta
1 cenoura crua cortada em rodelas

Preparação:
1) Cortar o bacon, a cebola e os cogumelos
2) Colocar a manteiga na panela e fritar o bacon por 5 minutos, em média, depois acrescentar a cebola e os cogumelos. Fritar por uns 3 minutos. Depois retire-os da panela (você vai usar a mesma  panela para fritar o frango) e reserve.
3) Salgue o frango (é a hora de colocar a pimenta também) e polvilhe ele com farinha (não precisa deixar ele branco, é só um pouco mesmo). Depois doure as partes na mesma panela que você usou para fritar o bacon, o cogumelo e a cebola.
4) Depois de dourado o frango, coloque o conhaque, o vinho e o caldo de frango. Baixe o fogo e coloque os outros ingredientes: cogumelo, bacon, cenoura. Coloque também o dente de alho e o bouquet garni (faça um raminho de forma que você possa tirá-lo depois).
5) Deixe cozinhando por 1 hora e voilá!


Para acompanhamento um purê ou batatas no vapor. Fizemos as batatas no vapor e no final acrescentamos ao prato. Ficou sensacional, mas para paladares que gostam de comida temperada: as bebidas e o garni deixam um sabor bem marcante. Para os adoradores de cogumelo: segundo o Fernando, foi o melhor cogumelo que ele já comeu. De comer rezando. Uh-la-la!


sábado, 27 de setembro de 2014

Morte lenta em Paris - uma busca

Comer bem em Paris tem sido relativamente fácil. Os congelados não costumam ser caros e os produtos são frescos. Carne é um mundo à parte – a variedade encanta, mas o preço repele. Mas comer mal, aí sim é que entra o desafio!

Junk food (ou, no popular gauchês, “morte lenta”) é fácil de encontrar se você for naqueles grandes conglomerados como KFC, McDonald’s e Subway. Mas essa é a junk food padronizada, sem gosto e sem graça que existe em qualquer lugar do mundo. O Subway daqui tem o mesmo fedor que o de Porto Alegre e, apesar do McDonald’s se proclamar “McCafé”, a birosca é a mesma. Por um lado é bom, porque quem aprecia esse tipo de “comida” em Porto Alegre, vai achar seu correspondente em solo francês – maravilhas da globalização. Mas quem tem um pouco mais de discernimento ou paladar, não vai pagar 3 euros por um sanduíche do Subway quando é possível comprar, pelo mesmo preço, um baguete quentinho, um pedaço de queijo emmenthal e um presunto espanhol defumado. A Juliane propõe inclusive que quem vem para Paris e come no Subway seja julgado pelo Tribunal de Haia por atentado lesa-humanidade. Acho meio forte...

De minha parte, ando interessado nos“mortes lentas” raiz, aqueles que são preparados sem as menores condições de higiene (o que é fácil de conseguir aqui) ou respeito às normas sociais. Até agora provei três dessas iguarias típicas da comida de rua sem glamour e vou aqui dar o meu veredito:

Kebab: O mais comum “morte lenta” aqui, substituindo o tradicional “xis” gaúcho, o kebab é um espeto – geralmente de cordeiro – que assa lentamente numa dessas televisões de cachorro (mas ele assa na vertical, ao contrário do frango que assa na horizontal). No Brasil a gente chama isso de churrasquinho grego, embora ele seja extremamente multiétnico. Aqui você encontra kebab turco, kebab grego, kebab libanês e kebab do Magreb. Comemos, na primeira vez que fomos no 11éme, um que saiu por 10 euros para nós dois – a Juliane comeu um de frango, tendo em vista que ela não gosta de ovelha. A maior dificuldade? Pedir um kebab sem pimentão, ingrediente adorado pela comunidade árabe-francesa e detestado por nós. No geral, eles são bem caprichados, acompanhados de um molho indistinguível branco, uma salada e muita carne. Alguns dos kebab parisienses são tão famosos que extrapolam o preço. Lá no bairro do Marais, tem um que é considerado o melhor da França e custa absurdos 8 euros o mais barato. Um dia a gente vai lá. Veredito final: é bom, mas falta um ovo frito dentro.
 
Kebab da zueira

Panini: Não tão comum quanto o kebab, mas tem seu valor. O panini nada mais é do que um sanduíche de baguete recheado com carne, salada e molho. Alguns mais caprichados podem ter até três bifes de hambúrguer, presunto, ovo e queijo – fazendo assim a festa da proteína. Eles podem acabar sendo mais caros que o kebab, dada a quantidade de carne que você quer no sanduíche. Porém, nos casos em que apelamos para o panini, não nos decepcionamos – além de caprichados no recheio, eles eram acompanhados de generosas porções de batata frita. O lado negativo, se é que dá para chamar assim, é que as batatas são acompanhadas por molhos prontos que ficam ao gosto do cliente e a variedade desses molhos é assustadora. No 13éme, a Juliane pediu um que era “picante” e tinha um sabor que lembrava uma mistura de detergente com malagueta. Eu, por outro lado, pedi um molho argelino e que tinha o sabor de quatro tipos de pimentões diferentes. Em média, um panini reforçado numa área mais alternativa pode sair por 6, 7 euros no máximo. Veredito final: faz a festa da proteína, mas é bom ficar só com a maionese como opção de molho.
 
Nesse tem menos fritas que o normal


Crepe: É estranho imaginar o crepe francês como “morte lenta”, mas ele é.  Os crepes são preparados na hora, com uma massa que se assemelha a de panqueca e numa chapa redonda grande. No meio, o recheio de sua escolha. Embora as opções de recheio sejam bem menos variadas do que a de um saboroso crepe de Capão da Canoa, elas são caprichadas. Queijo e presunto, queijo e linguiça, queijo e frango...e por aí vai. A maioria dos lugares anuncia crepes doces, com Nuttella e tudo, para a alegria dos diabéticos. O tamanho é impressionante e chega a ser difícil de comer um inteiro sem ficar estufado. A massa, diga-se de passagem, é deliciosa e se o recheio nem tanto, não dá para reclamar: a quantidade é absurda e bem menos condimentado que outros “mortes lentas”. Veredito final: foi o de pior digestão entre os três, mas sem dúvida o mais impressionante em tamanho. Além disso, é o único que não conta com a presença de qualquer pimentão existente acima (ou abaixo) do Equador. E, segundo a Juliane, é o mais gostoso. Meu trato intestinal não concorda 100% com a afirmação, mas dou o braço a torcer: em termos de custo-benefício, tá no topo dos “mortes lentas” parisienses.


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O coração do mundo

Ontem fomos dar a nossa voltinha já tradicional no 11eme e para isso fazemos umas duas baldeações de metrô, tudo muito tranquilo nessa malha metroviária de morrer de inveja.  Mas desde sábado sentimos que há uma tensão pairando no ar: no último final de semana, também retornado do 11eme, passamos por uma espécie de revista, na qual teríamos que mostrar nossos tíquetes de metrô novamente, assim pensávamos. Para nossa surpresa inicial, não precisamos: somente a comunidade muçulmana passava pela revista. Foi um momento de incômodo e de percepção da realidade francesa que não está nos guias turísticos (e o Fernando já falou um pouco ontem, e acho que temos falado aqui de maneira tangencial em muitos momentos): a tensão social aqui é imensa. Claro que para turistas brancos ela pode passar despercebida, mas quando você olha e repara, o problema todo está exposto.


Voltando ao dia de ontem: quando entramos na nossa estação, às 17h da tarde, percebi que em um das saídas um homem uniformizado observava os transeuntes. Ao passarmos as catracas, novamente nos deparamos com aquela revista: "monsieur/madame, son ticktet, s'il vous plâit". E de novo passamos batido. Perto das 22:30 da noite, voltando do 11eme, novamente a revista e desta vez precisamos mostrar nossos tíquetes como todos. Fomos esperar o metrô e do outro lado da estação mais funcionários uniformizados revistando homens árabes (e nesse caso eles foram levados para algum lugar).

Domingo, Hervé Gourdel, montanhista francês, foi sequestrado na Argélia por um grupo jihadista. Na quarta-feira foi divulgada a sua morte (decapitado pelo grupo): a morte seria uma represália à participação francesa nos ataques ao Estado Islâmico no Iraque. 

Somado a isso, o primeiro ministro iraquiano declarou ontem que o Estado Islâmico planeja ataques aos metrôs de Paris e dos EUA, o que explica toda a movimentação  na cidade. Segundo o Le Monde, a segurança será reforçada nos metrôs, em pontos turísticos e em grandes lojas.

Claro que esse foi o assunto de todos os jornais por aqui, muitos deles caindo no discurso islamofóbico, como a enquete postada pelo jornal Fígaro que perguntou à população se ela achava as condenações feitas pela comunidade muçulmana francesa suficientes (responsabilizando assim essa comunidade). A enquete foi retirada do ar depois de muitas críticas (texto em francês).  Em contrapartida, o jornal Rue89 fez um artigo bem didático e divertido sobre a exigência imposta à comunidade muçulmana: pedir para que eles se dissociem da barbárie do estado islâmico seria o mesmo que exigir que os escritores se dissociassem do Paulo Coelho (muitos risos!); que os cristãos se dissociassem da Ku, Klux, Klan; que as cantoras se dissociassem da Miley Cirus; que os bonecos se dissociassem do Chuck (mais risos!), etc. (para quem lê em francês o artigo está aqui). 

Ontem, um cadáver de leitão foi encontrado morto em frente a um mesquita, para dar uma ideia do clima instalado.

Ainda não sei muito bem como digerir isso tudo, mas já deturpando os dizeres de Sara em Terra Transe, me sinto lançada no coração do mundo e de seu tempo.

PS: Para não preocupar ninguém, o governo francês garante que não há indícios de qualquer ataque terrorista em curso.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Le œuf da serpente

Nos últimos dias, sempre que precisamos pegar o metrô, eu pego um exemplar gratuito do jornal Direct Matin. É um jornal diário francês e “de grátis”, disponível em praticamente todas as estações no início da manhã. Quando a gente sai mais tarde, já não tem jornais disponíveis, mas no geral eles sempre estão lá. Como jornal, ele serve para dar aquela visão panorâmica básica. É como um Diário Gaúcho, mas sem sangue. E mulher pelada. E futebol. Pensando bem, é um pouco diferente...

Se por um lado falta “zueira” no jornal popular dos parisienses, não faltam motivos para se preocupar. Em quase todas as edições que encontrei nos metrôs parisienses, há pelo menos uma notícia de ataque de neonazistas. Geralmente elas aparecem nas partes policiais, em um pequeno parágrafo contando o que essa gente fez. Situações que lembro agora, por exemplo, incluem ataque a uma escola maternal com pichações racistas, agressão a idosos judeus, ofensas num bairro islâmico, entre outras. Das vezes que peguei o Direct Matin, em quase todas elas encontrei uma notícia assim e mostrei para a Juliane com um semblante preocupado.

No nosso dia a dia, essas situações não são visíveis. É possível andar em Paris sem esbarrar num skinhead neonazista – nós mesmo não vimos essa gentalha por aqui. Mas o fato de isso ser noticiado cotidianamente me fez seguir duas linhas de raciocínio: 1) os jornais aqui se preocupam MUITO com os crimes cometidos por neonazistas; ou 2) tem tanto crime neonazista ocorrendo por aqui que é preciso, sim, divulga-los. Admito que tais posições não são excludentes. É possível que, a medida que se tenha bastante medo das repercussões do nazismo nessas terras, eles tenham a preocupação de noticiar qualquer incidente – e, ao mesmo tempo, eles são cada vez mais frequentes.


Mas tem algo mais aterrador nisso: o fato dessas notícias ganharem um destaque pequeno no jornal, junto com a sessão policial. São crimes, é claro, investigados e julgados como devem ser. Só que ao ver tais notícias dispostas com pouco espaço, a impressão que fica é de que elas são tão cotidianas para os franceses quanto um assalto a mão armada para nós brasileiros.

Quando visitamos o Memorial da Shoah, em Paris, o museu trabalhava com a ideia de que a República de Vichy foi muito mais eficiente do que a Alemanha nazista mesmo na catalogação da comunidade judaica. O próprio museu lembrava que o antissemitismo na França tinha origens bem antigas e que o nazismo soube aproveitar-se disso. Porém, se o processo de desnazificação na Alemanha segue ainda hoje – e ainda bem que segue –, na França a história é outra. De uma forma geral, os franceses lidam com a História de forma triunfante, se apegando a um passado onde eles eram “grandes coisa” no cenário mundial. Explicar racismo, colonialismo e antissemitismo – e, principalmente, fazer disso um tema de discussão nacional – não parece estar na ordem do dia.

Há ainda outro fantasma a lidar, esse sendo mais presente no momento: a islamofobia. Méritos para o atual governo, que pelo menos não cai na islamofobia assustadora que parece ganhar terreno no país. Ontem mesmo um turista francês foi morto pelos militantes do grupo terrorista vinculado à organização do Estado Islâmico nos arredores de Alger, na Argélia. Isso obviamente trouxe repercussões políticas assombrosas e até ressuscitou a nefasta figura do Nicolas Sarkozy. Ponto para o Hollande e para os socialistas nesse caso: eles podem até ser a favor de uma intervenção militar no Iraque, mas ao mesmo tempo eles parecem não comprar integralmente o discurso de ódio aos muçulmanos que parece mover tanta gente aqui na França.



E é aí que entram as notícias do Direct Matin. Há uma impressão, para o nosso olhar brasileiro mal treinado nas tensões sociais europeias, que o ovo da serpente tá sendo chocado. Fica a sensação de que se juntarmos pretextos (inclusive os falsos) com vontade política, é possível ver a emergência de uma direita francesa cada vez mais fascistona, com clara inspiração racista. E falando nisso, a Juliane já lembrou: a Le Pen vem aí...e ela não é nada zueira!

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Je parle portugais.

Paris é uma cidade de muitas línguas, como toda metrópole que se preze: no metrô você vai escutar desde a sua língua materna até aquelas que você não consegue nem identificar. E, nesse espaço multilinguístico, o português também tem território bem marcado: não falo dos turistas, que são muitos, nem dos estudantes e imigrantes (estima-se em 73 mil o número de brasileiros na França), falo sobretudo de lugares nos quais você vai se sentir no Brasil (ou em Portugal), e de quebra ainda se comunicar naquele português matreiro.

Estando ligada ao grupo de Estudos Lusófonos na universidade, posso ter aulas tanto em português brasileiro quanto no português da terrinha. E através do grupo acabei tendo conhecimento de alguns lugares bem interessantes para quem consome cultura em português (e também gosta de um pastel de nata). Primeiro, a Biblioteca Gulbenkian, que possui um bom acervo de livros em língua portuguesa e alguma coisa de obras traduzidas (a biblioteca faz parte da Fundação Gulbenkian). Além de ter um espaço bem agradável de leitura, ela ainda oferece uma série de conferências sobre cultura lusófona (principalmente voltada para Portugal, mas alguma coisa de África e Brasil também). 


Além da biblioteca, conheci também a Librairie Portugaise et Brésilienne que tem um ótimo acervo de literatura brasileira, principalmente contemporânea. A parte de crítica literária não é tão boa, mas há alguma coisa. Outro espaço cultural é o Lusofolie's: café-espaço cultural (que reza a lenda tem um pastel de nata sensacional). O espaço vai abrigar, nesse sábado, um debate sobre as eleições no Brasil, mas antes será exibido o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, como uma homenagem aos 50 anos de sua realização. Em dezembro, por exemplo, a escritora Lídia Jorge participará de um bate-papo no café.  

Somados a esses espaços, há alguns institutos que pretendem divulgar (e fomentar) a cultura e a língua portuguesa brasileira por aqui: Autres Brésils e Alter Brasilis. O primeiro está promovendo em outubro a 10ª edição do "Brésil em Mouvements", com apresentação de filmes documentários e debates. O segundo oferece, entre outras coisas, cursos de português e cursos de francês para falantes de português.



Mas, para além da cultura mais formal há também aqueles espaços onde podemos simplesmente comprar uma Velho Barreiro por 23 euros e 50 cents. Essa lugar existe e se chama Coisas do Brasil: uma loja que, além de vender uma cachacinha, ainda vende erva-mate, para minha tranquilidade. Outro espaço brasileiro é o Barracão, bar que se localiza no 11eme (bairro mais alternativo e cheio de bares com bons preços): lá tem caipirinha, feijoada, moqueca e tudo mais. E claro, música brasileira: funk (Valesca diva!) e sertanejo-universitário (difícil), com direito aos atendentes se deixando levar pela cadência da música. A decoração do bar já é vista de longe: na fachada uma imensa bandeira do Brasil. Lá dentro, várias propagandas das antigas de cervejas brasileiras, daquelas ofensivas dos anos 90, sabe? 


Encontrar esses espaços não nos deixa mais à vontade de todo, inclusive há um estranhamento recorrente nesses encontros. A gente pode até se sentir familiarizada, mas há um misto de tranquilidade e desconforto: é como ver a Carminha falando em francês todas as manhãs. 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Piaf XXI

Dia corrido, pouco tempo para o blog. Mas essa ideia tava na mira já quando estávamos saindo do Brasil - ver o que a cultura francesa contemporânea tem a apresentar. E no quesito música, eu e a Juliane estamos em estilos diferentes, mas dando uma explorada na área.

Ela ouviu incessantemente a cantora Zaz nas semanas que antecederam a viagem. Devo dizer que gostei, é bonitinho e animado. Tem umas músicas que achei bem legais, mas não tive a mesma persistência para ouvir até furar o disco. A mais famosa dela, que vira e mexe toca em algumas rádios brasileiras, é a Je Veux ("Eu quero"). Deem uma olhada:


Bonitinho, né? Tem aquela clássica pegada Amélie Poulain, tipicamente francesa. Até a letra lembra um pouco a icônica personagem do filme, com o refrão cantando: "Eu quero o amor, a alegria, o bom humor / Não é seu dinheiro que dará felicidade, / Eu quero morrer com a mão no coração". É fófis, não? Eu, particularmente, gosto mais da On ira - que foi acusada pela direita francesa de "multiculturalismo", o que prova que gente tosca é uma característica que transcende nacionalidades mesmo.


Na última semana, porém, um amigo colocou no YouTube um vídeo da rapper marselhesa Keny Arkana. É um estilo completamente diferente, que vai mais para o hip hop e evoca a antiga música de protesto francesa. A Arkana é bastante radical nas letras e sua pegada eletrônica é bastante inusitada. As letras são uma paulada à parte. Na minha favorita, chamada Gens pressés, além da letra ser excelente o clipe também é muito bem produzido e a melodia é bem interessante.


Essa, particularmente, me lembrou a banda porto-riquenha Calle 13 pelo clima menos hip hop e mais "inventivo" nos acordes e até na letra - uma música mais tradicional dela e que é uma pedrada é a La Rage, que também tem vídeo legendado no YouTube.

Apesar de nem sempre eu e a Juliane concordarmos com nossos gostos musicais, é no mínimo curioso que ao buscarmos a seara das chansons francesas nos deparemos com cantoras. Dá a impressão de que o espírito de Piaf ecoa - sem adentrar no mérito da qualidade das músicas. Mas é significativo que em estilos tão diferentes, as cantoras francesas sigam sendo bem representadas.


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Só no Brasil

A famigerada frase "só no Brasil" é tão comum entre brasileiros que já virou página no Facebook. Mas por que algumas coisas acontecem "só no Brasil"? Bem, primeiro que essas coisas não acontecem "só no Brasil", elas acontecem em qualquer lugar do mundo (só dar uma olhadinha nas postagens da página), ou seja, isso não é um problema de "índole", como se só o brasileiro fosse capaz de certas "baixezas". Segundo, a frase é dita, salvo engano, por certos grupos sociais que pensam que bom mesmo é qualquer outra país de "primeiro mundo", como EUA ou qualquer outro lugar na Europa. Nelson Rodrigues, profético, falando de futebol (na derrota da seleção brasileira para o Uruguai em 1950) já se deu conta disso e deu um nome: vira-latismo, a inferioridade em que se colocam os brasileiros mesmo face à sua superioridade.

Bom, vou dizer para vocês que quando a gente chegou aqui, início do mês, o presidente francês François Hollande estava envolvido em alguns escândalos. Primeiro, sua ex-mulher, traída (o presidente mantinha uma amante por cerca de um ano, e isso chegou até a opinião pública) publicou um livro para falar da sua relação com ele mas também para mostrar quem de fato é o Hollande: um homem que, segundo ela, não gosta de  pobres e os chama de "desdentados". O livro é considerado por aqui como um livro-vingança. Achei típico de "novela mexicana", gente. Sem a zueira do presidente Itamar e a Liliam Ramos sem calcinha (carnaval de 1994), por exemplo. 

Segundo,  o recém empossado ministro Thomas Thévenoud foi descoberto em um caso de calote fiscal: ele não declarava seus impostos há alguns anos.

Não bastasse tudo isso, eles ainda consomem a Avenida Brasil pela manhã: definitivamente, não é só no Brasil.


domingo, 21 de setembro de 2014

Crônica de uma tarde de verão

Nhaca. Futum. Cecé. Budum. Fedor. Há tantas palavras na língua portuguesa, tantas gírias adequadas, que fica difícil encontrar uma só para definir o odor que exala dos nativos. Fétide ajuda a definir, mas nenhuma palavra consegue definir o terrível cheiro que exala de homens, mulheres, velhos e crianças que habitam a cidade luz.

Ontem foi um dia de testarmos o nosso olfato com tudo que se poderia demonstrar em termos de falta de higiene. Pegamos vários trens lotados, num percurso que passou pelo 18éme e pelo 11éme. Em todos eles, o cheiro de dias sem banho e a despreocupação com as regras básicas de saúde podiam ser sentidos a quilômetros.


Entre os franceses, os comentários mais xenófobos indicam que os mais fedorentos são da comunidade árabe. Outros dirão que a nhaca é maior entre a comunidade africana. Mas não conseguimos comprovar isso. Na verdade, o que percebemos é que o francês loiro, lindo e de olhos azuis fede tanto ou mais quanto qualquer outro ser humano. Podemos dizer, contudo, que eles fedem em proporções singulares em relação a nossa. Pegar metrô no sábado em Paris é ter a boa e velha experiência de pegar um Tinga lotado às 19h em dia de jogo em Porto Alegre. Mas há um alento para todo trabalhador brasileiro que passa por isso: a galera vai para casa, toma um banho e segue a vida. Aqui, como bem sabe-se pelos estereótipos, os banhos não são frequentes. Consequentemente, não se trata da nhaca nossa de cada dia - trata-se de uma nhaca sequencial, cultivada com o tempo e com as intemperes de um verão ensolarado.

Alguns cheiros em Paris são, sem dúvida, muito inusitados. Passar perto de uma formagerie, por exemplo, é sentir odores muitos distintos. Nem todos os cheiros de queijo são agradáveis e é normal a gente ficar um pouco enjoado quando se depara com essas lojas. Nos túneis do metrô de Paris, é bastante comum sentirmos cheiro de urina, o que torna a experiência do trem bem menos interessante. Mas são odores suportáveis para nós. Mas e o cheiro de quem há dias não usa um sabonete? Ou um desodorante? Ambos então, nem pensar.


No filme "Perfume", inspirado na obra homônima de Patrick Susskind, um jovem francês nascido na região mais pobre e fétida da Paris do século XVIII adquire o dom de ter um olfato super aguçado. Passados alguns séculos, a Paris moderna certamente fede bem menos. As ruas não cheiram a esgoto, tripas de peixe, ou gente morta. O metrô pode eventualmente cheirar mal. As lojas de queijo podem deixá-lo enjoado. Mas nada cheira pior do que o nativo nessa terra. E que me desculpem as generalizações e os estereótipos, mas hoje em dia a gente anda com vontade de abraçar as pessoas minimamente cheirosas que encontramos na rua.

sábado, 20 de setembro de 2014

Cordialidade versus Politesse

Certa feita, fazendo um curso com a Jeanne Marie Gagnebin (para que não conhece: é A especialista em Walter Benjamin no Brasil, professora na Unicamp, suíça de nascimento, residente no Brasil desde 1978), ela comentou que ao chegar no país resolveu fazer as aulas que o Roberto Schwarz ministrava na Unicamp na época para tentar entender melhor o seu novo país. Ela não fez grandes comentários sobre essa experiência, mas relatou a falta que lhe fez uma indicação da leitura de Raízes do Brasil, do Sérgio Buarque de Holanda, o que teria facilitado o seu processo de adaptação. Segundo seu depoimento, muito menos gafes ela teria cometido.


Nesse livro, Buarque enfatiza um funcionamento social brasileiro: a cordialidade, comportamento propenso à informalidade e gerido pela emoção/afetividade, mas algo que não tem nada de pacífico ou gentil. Um dos episódios usados como exemplares no livro é o relato de comerciantes holandeses quando no Brasil: segundo eles, era impossível fazer negócios aqui sem antes se tornar "amigo" do comprador/vendedor. Bom, alguém pode dizer: olha que legal, como somos afetivos! E o problema está exatamente nesse ponto: apagamos as distâncias e pessoalizamos relações. Um exemplo clássico da cordialidade é o compadrio, que permite que regras sejam esquecidas em nome de um vínculo afetivo. Ou mesmo a ideia da lei apenas como uma referência, não como algo a ser seguido ao pé da letra. 

Por aqui, parece não haver espaço para essa afetividade cordial que nos é tão comum. Dia desses, conversando com brasileiros fumantes, eles relataram que os franceses não dividem cigarro, nem bebida, e o fato de pedir um cigarro para um deles pode parecer ofensivo. Me dei conta então que aqui as porções são (quase) todas individuais: a cerveja vem em long necks ou no pint (copo); o comum em restaurantes no almoço é o “prato do dia”: entrada + prato principal + sobremesa, tudo individual; nos cardápios, tudo individual pelo que vi até agora.  Um outro ponto que chama a atenção é a impossibilidade de fazer visitas surpresas: não há um interfone, salvo prédios mais modernos pelo que vi, e um número de apartamento (nós moramos no 1ª andar à direita, por exemplo). Se você quiser me visitar vai precisar me avisar antes e/ou eu te dar a senha para entrar no prédio, ou eu te esperar ali fora para abrir a porta. 

Em contrapartida, como os espaços são pequenos, no bar você vai ficar grudadinho no seu vizinho de mesa (que é minúscula!), podendo ouvir toda a conversa dele. Ontem estávamos em um bar aqui perto de casa, na rua, com um monte daquelas mesinhas redondas grudadinhas umas nas outras e em cada mesa, duas ou três pessoas. Olhamos para os nossos vizinhos de mesa e pensamos: se estivéssemos no Brasil isso logo viraria uma grande mesa de bar (como a gente adora!) e nós todos  nos tornaríamos "amigos". Só que aqui, enquanto as pessoas estão fisicamente muito próximas, parece não haver nenhum interesse em uma confraternização.

Imagem meramente ilustrativa

Ao mesmo tempo, eles são muito polidos: em qualquer lugar que você entrar receberá um “bonjour”, muitas vezes acompanhado de um “madame”/ “monsieur” (olha, nos últimos 32 anos devo ter sido chamada de "senhora" muito poucas vezes no Brasil). No final, um “au revoir” junto com um “bonne journée / bonne soirée”, ou algo que o valha. No Brasil, o contrário: mal damos bom dia, mas logo já estamos nos chamando por apelidos e nos dando beijinhos.

Se nós precisamos nos tornar "amigos" para nos relacionarmos, apagando formalidades e hierarquias, aqui isso parece estar completamente fora da jogada: a polidez, que permite que sejamos todos educados, também nos afasta pela formalidade que lhe é intrínseca. Não digo que isso seja ruim (nem bom?), mas me pergunto qual o espaço que a zueira tem nesse funcionamento, com esse marco civilizatório tipicamente francês: faz da relação com o outro uma cortesia. E a zueira nem sempre é cortês.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

"Me chama de bitolado"

O título desse singelo post evoca o nome de Rogério Sganzerla e seu filme trash-cult-clássico, A mulher de todos (1969). Ele fala sobre a relação de Ângela Carne e Osso, uma ninfomaníaca casada com um gordinho reaça ao extremo interpretado pelo bem humorado Jô Soares. Ângela menospreza o seu marido, Plitz, que ao longo do filme chega para o seu amor e solta a seguinte frase: “me chama de bitolado!”


Longe de mim querer bancar o Plitz – que chega a demonstrar simpatias com o nazismo ao longo do filme. Tampouco com Jô Soares que, apesar de ser mais legal nos anos 60 do que hoje em dia, ainda é o Jô Soares. O meu interesse aqui é um só: lamentar (e zoar) o fato de estarmos longe do Brasil a exatos 15 dias.

Se fosse em qualquer outra época, talvez não estivéssemos se sentindo tão alienados, mas estamos no meio da corrida eleitoral. Mesmo com acesso à internet, todo aquele saudável clima de baixaria generalizada passa ao largo da gente. Em parte isso se dá porque sabemos usar a opção de ‘bloquear usuário’ no Facebook. Em parte também porque fizemos um pacto de sangue para não ler nunca os comentários de sites de notícias. Mas em parte também porque, quando no Brasil, é impossível não ser engolido pelo clima político-eleitoral mesmo quando você vai comprar pão numa padaria. Aqui na França, o noticiário político tem discutido os escândalos e problemas do governo Hollande (que não são poucos). Mas ainda assim, eles levam a política tão a sério aqui que a própria noção de escândalo parece bem diferente da nossa. Eventualmente eles até dão uma olhadinha para outras partes da Europa, como no caso da independência da Escócia, torcendo descaradamente pelo fim do Reino Unido as we know it [detalhe: terminei o texto e o "não" venceu na Escócia]. Mas sobre o Brasil, muito pouco quase nada.

Não é bem que estejamos sentindo falta das notícias, mas sim da qualidade das notícias. Ontem mesmo o amigo Pablo Fernandes nos lembrou que Pepe e Neném participarão da sétima edição da Fazenda, uma informação fundamental [não sabe quem é Pepe e Neném? Clique aqui] para qualquer zueiro morador de terra brasilis. Por outro lado, algumas das mais importantes a gente vê no dia seguinte, como o debate dos presidentes e o atordoador “uma ova”, de Luciana Genro – direcionada ao senador Aécio Neves. Mas informações como o elenco da Fazenda, a gente perde. A gente perde os memes, a gente perde as piadas, a gente perde a baixaria e a gente perde a zueira. E longe de nós perder a zueira!


Há a apreensão também para as questões sérias: os casos recentes de homofobia e racismo no Rio Grande do Sul e no Brasil têm nos deixado um tanto quanto angustiados – lembrando principalmente dos casos do goleiro Aranha e a torcida gremista, assim como do incêndio do CTG que ia promover a união civil de casais homossexuais. Mas ainda assim não é a mesma coisa – comentamos com poucos amigos e, portanto, elas parecem existir somente na nossa seleta timeline. Essa sensação de que temos pouco – ou nenhum – poder de decidir questões no Brasil transparece na nossa postura política. Se em agosto estávamos mornos em relação às eleições brasileiras, hoje em setembro estamos em polvorosa, combinando inclusive maratonas de primeiro e segundo turno conectados na internet para acompanhar tudo que for possível. É quase como se quiséssemos participar mais agora do que quando estávamos em Porto Alegre.

A Juliane me lembrou ontem: estamos numa espécie de vácuo, porque não fazemos mais parte daquela realidade cotidiana brasileira, mas não nos integramos na realidade cotidiana parisiense. No meio do caminho, criamos nosso próprio caminho do meio, alternando em coisas que nos lembram do Brasil e tentando se integrar, pouco a pouco, ao estilo de vida parisiense. É a estratégia da zueira, é bem verdade. Mas é duro admitir que estamos ficando alienados da boa e velha zueira brasileira. Appelez-moi borné - ou me chama de bitolado!

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Turismo à la gauche

Talvez alguns dos leitores não saibam, mas eu tenho um certo fascínio por peças e monumentos que remetam à esquerda nos séculos XIX e XX – se bobear, do XXI também. Acho incrível quando a cultura política e social de um grupo se torna, senão dominante, hegemônica o suficiente para ser reconhecida e colocada em museus ou virar nome de rua. Porém, Paris, uma capital com um passado revolucionário – para dizer o mínimo – tem muito pouco para contribuir nesse tipo de turismo amalucado que eu gosto de fazer, o que tem sido um tanto quanto decepcionante.

No geral, a França revolucionária guarda pouco de seus registros. A Paris da Belle Époque ainda é a época favorita dos turistas e é preservada ao máximo. Mas, do passado jacobino, não dá para dizer o mesmo. Um exemplo disso é a chamada praça da Bastilha. Local onde antes se concentrava a fortaleza-prisão mais simbólica da monarquia francesa que caiu nas mãos dos revolucionários franceses no 14 de julho de 1789. Foi considerado o evento mais simbólico do período e acabou precipitando a saída do rei Luís XVI do palácio de Versalhes, em outubro do mesmo ano. Alguém poderia dizer: nossa, que tipo de monumento eles poderiam fazer ali? Bom, como a Bastilha foi destruída, restou muito pouco. Mas o Estado francês construiu um monumento naquele mesmo lugar: uma gigantesca coluna chamada “colonne de julliet”. Criada em 1830, após a Revolução que derrubou o rei Carlos X, a coluna foi colocada ali para que se criasse o paralelismo tão caro aos revoltosos da época: ou seja, que 1789 e 1830 eram a mesma coisa. Mas tirando isso, devo dizer que foi frustrante ver a praça. Ela não tem praticamente nada que rememore o passado revolucionário francês, exceto a coluna.



O mesmo poderia se falar da “place de la concorde”, uma praça que fica na frente do jardim das tulherias. Em 1792, após a traição de Luís XVI e a sua condenação à morte pelo Comitê de Salvação Pública, ela tornou-se a “place de la révolution”. É nessa mesma praça que será instalada a invenção mais democrática da Revolução Francesa: a guilhotina, que garantia o mesmo tipo de morte para o cavaleiro real, para o burguês, para o padre e para o sans-cullote. Um monte de gente famosa foi executada ali: Maria Antonieta, Danton, Lavoisier, Hebért Saint Just, Robespierre. Porém, há poucos monumentos na região que relembrem esses eventos. Isso ocorre porque depois da queda do governo jacobino, em 1795, a praça foi rebatizada como “place de la concorde”. No século XIX ela acabou sendo usada muitas vezes para afirmar a restauração monárquica, seja por Luís XVIII, Carlos X, Luís Felipe de Orléans... No final das contas, a praça têm um simbolismo político bastante especial nos dias de hoje. Quando a “gauche” vence eleições, ela comemora na “place de la Bastille”. Quando a direita vence, ela comemora na “place de la concorde” – que na verdade, é muito mais uma homenagem ao triunfo das forças restauradoras.


Porém, quem tá pensando num turismo à la gauche, a minha principal dica é visitar o Pére Lachaise, o maior cemitério de Paris. Construído durante o período napoleônico, ele se tornou o mais famoso cemitério francês, com alguns dos mortos mais famosos da França fazendo seu descanso eterno em suas terras. Mas alguns de seus mortos menos famosos também podem ser encontrados ali. Em 1871, durante a Comuna de Paris, os últimos soldados comunardos foram fuzilados nos muros do cemitério e lançados numa cova coletiva. O historiador Horatio Gonzalez salienta que a repressão dos republicanos durante a Comuna foi marcada por extrema violência e que pela primeira vez, numa guerra moderna, os ataques a civis foram liberados pelos oficiais do Exército francês. Infelizmente, no século XX os ataques à civis e as covas coletivas se tornaram cada vez mais constantes – em experiências que transitaram entre a direita e a esquerda.


Admiro muito a experiência histórica da Comuna de Paris, seu sentido federativo e altamente democrático. As noções anarquistas e comunistas colocadas em prática pela primeira vez, com muitos erros mas também muitos acertos. Mas foi uma experiência curta: iniciada em março, a Comuna não conseguiu resistir aos ataques conjuntos do Exército francês e do Exército prussiano. Os comunardos fuzilados ganharam uma homenagem no Père Lachaise e se tornaram um ponto de referência para quem se interessa pelo turismo gauche. Ao redor deles, republicanos e brigadistas internacionais que foram para Espanha na Guerra Civil, lutar contra o fascismo. Há também soldados da resistência anti-nazista que eram socialistas. Muitas homenagens aos mortos nos campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. Comunistas e lideranças políticas de esquerda...a ala norte do Pére Lachaise apresenta um pequeno reduto onde a morte de utopistas aparece ao mesmo tempo como saudação fúnebre, mas também como monumento da barbárie – nos dizeres de um vizinho nosso aqui na Dombasle.

O que lamento foi não ter trazido uma rosa vermelha para esses mortos do Père Lachaise. Mas tampouco esperava encontra-los ali, permitindo a rememoração do passado revolucionário francês.

OBS: Bonus track do turismo gauche no Pére Lachaise é encontrar Paul Lafergue e Laura Lafergue (ou Laura Marx, filha do velho barbudo). Eles foram sepultados próximos do muro dos fedéres, onde os comunardos foram fuzilados. Paul Lafergue também foi o autor de “O direito à preguiça”



quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Sobreviventes: 14 museus em 6 dias (Parte II)

Continuando a maratona...

Dia 4: No quarto dia, sábado, mais um dia de muito sol e temperatura agradável, iniciamos pelo Instituto do Mundo Árabe. Se propondo a contar a história daquela civilização, o museu ganha muitos pontos pela experiência sensorial provocada: muitos sons são evocados ao longo da exposição, seja pelo leitura de textos, pelas músicas ou pelos sons ambientes. Somado a isso, o fato do museu não ser dos mais badalados, o que significa uma visita tranquila (sabe aquela história do "imagina na copa?", aqui ela virou "imagina no louvre?").

A fachada do Museu Arábe é super gracinha.

Depois, fomos ao Museu Cluny, o museu da Idade Média, localizado em dois prédios históricos (séc. III e séc. XV), que foi fundado ainda no século XIX. Apesar dos prédios e tudo mais (tem um jardinzinho bem simpático na frente), o museu incomodou um pouco: sem metodologia, misturando itens de séculos diferentes, e alguns já renascentistas inclusive, o museu funciona quase como um antiquário. Dessa forma, descontextualizado, não nos agradou muito, não.

Cluny

Concluímos o Cluny e fomos até o Jardim de Luxemburgo almoçar. Já havíamos ido lá em outro momento (ele é próximo à universidade), então dessa vez fomos para descansar os pés e aproveitar os baguetes baratos do Monoprix. Como tem feito dias muito ensolarados nesse final de verão, o jardim está lindo de morrer, com muitas flores e todo mundo disputando seu lugar ao sol. Não sei como ele vai ficar no inverno, mas a imagem desse jardim florido e ensolarado já é umas das minhas preferidas de Paris.

Luxemburgo

Após o almoço, Arco doTriunfo. Essa, na minha modesta opinião, foi a “armadilha de turista” da rodada. Explico: você paga 9,50 euros (a gente já tinha pagado o passe) para subir umas escadarias sem fim e olhar Paris lá de cima. À noite, imagino que deva ser lindo, mas de dia, depois de subir as escadarias, a sensação foi de frustração mesmo.



(Um comentário meio aleatório: o metrô de Paris sábado parece Porto Alegre em dia de passe livre: lotadaço! E com aquele “perfume” todo especial... mas esse é assunto para outro post.)

Dia 5: No domingo, começamos pelo Museu Rodin, com uma fila de bom tamanho para uma manhã. Como tínhamos o passe, entramos sem passar por ela (na maioria dos museus, quem tem esse passe foge das filas, o que é uma grande vantagem em se tratando de museus concorridos). O museu está localizado em um antigo hotel, lindo por si só, com um jardim também belíssimo. E de lambuja Rodins para tudo que é lado, incluindo os famosos “O Pensador”, “O Beijo”, e “Portões do Inferno”. Soma-se a isso o fato do museu ser muito bem organizado. Achei muito tri.



Depois do almoço (baguete nos jardins do Rodin, é claro), fomos até o Museu d’Orsay. Primeira dica sobre o Orsay: fique um dia inteiro lá. Além de grande, o museu é demais, com impressionistas, pós-impressionistas, mais Rodins, Van Gogh e um monte de coisa bacana. O bom é que ele tem alguns ambientes para você esticar as pernocas e descansar um pouco, além de restaurante e café (não baratos, claros). A parte ruim é que ele é um dos museus famosos, ou seja, é bem movimentado, o que impede que você aprecie com calma as pinturas, o que é uma pena. Saímos de lá entre esgotados e maravilhados, e com muita vontade de voltar.


Dia 6: Para o último dia deixamos o Panthéon e o Museu Delacroixiniciando o nosso dia pelo primeiro. O Panthéon não é propriamente um museu, e sim um monumento - ele foi criado durante a Revolução Francesa para "louvar os grandes homens da França". Em sua cripta encontram-se enterrados Émile Zola, Jean-Jacques Rosseau, Victor Hugo, Alexandre Dumas, Jean Jaurès, Marie Curie e Voltaire, para ficarmos em alguns nomes. Vimos também a mostra especial, uma homenagem a Jean Jaurès, político socialista francês assassinado em 1914, às vésperas da I GM. O mais legal da homenagem/mostra é que ela inicia com o assassinato de Jaurès, acompanhando assim as apropriações feitas dessa figura ao longo dos anos, ou seja, a sua transformação em um herói de esquerda e as disputas políticas em torno da figura.


Depois do Panthéon,fomos ao Museu Delacroix. Diferentemente dos outros museus em que estivemos, esse se localiza em um prédio bem escondido e sem muito daquele charme século XIX que a cidade exala (e que às vezes cansa). O museu é bem pequeno, e contém desde pinturas e esboços do artista até objetos pessoais. Tem um pequeno jardim ao fundo, mas que não se encontrava lá uma belezura. Somado ao fato de o museu parecer não ter método algum na sua exposição, Delacroix que nos perdoe, mas ficamos um tanto quanto decepcionados (a gente não tirou nem foto, só aquele selfie matreiro que não conta)

Como acabamos cedo as visitas, fomos até a Igreja de Saint Germain des Près, que era pertinho dali. Essa é a igreja mais antiga de Paris, e diferentemente da suntuosidade das outras, é bastante sóbria e menos restaurada do que as outras. Com entrada gratuita, como penso são todas as entradas em igrejas, você pode ver a tumba do Descartes que se encontra em uma das capelas.


Bom, passada a maratona, o saldo é uma boa economia, mas também um super cansaço: dormi 11 horas depois do último dia da maratona! Mas foi uma experiência para lá de prazerosa para entender um pouco mais a França e também apreender um pouquinho mais sobre arte.

PS do Fernando: Ainda tem os museus gratuitos...

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Sobreviventes: 14 museus em 6 dias (Parte I)

Bom, que Paris é cheia de museus todo mundo já sabe. Pela quantidade de museus, do Louvre ao Museu dos Correios (!), poderíamos ficar meses nesse périplo. Mas, como em quase todos se paga para entrar e em alguns não temos tanto interesse assim, decidimos comprar um passe, o “Paris Museum Pass”, que nos dá acesso a cerca de 60 museus em 6 dias e nos daria uma super economia no final do passeio, além de nos ajudar a objetivá-lo. Primeiro: esse passe pode ser comprado para 2 (46 euros), 4 (52 euros) e/ou 6 dias (69 euros). Segundo: ele só vale a pena economicamente se você conseguir visitar 2 museus/monumentos por dia, em média. Adendo: o passe funciona mais ou menos na base da confiança. Como? Você coloca, no verso do passe, a data que começou a utilizar. Ou seja, você é o responsável por esse controle. Em alguns museus eles até utilizam um leitor de barras, mas em outros é só uma olhadinha mesmo. 



Pesquisamos bastante na internet e fizemos várias contas para ver o quão econômico ele poderia ser. Depois de acertada a compra, nos preparamos fisicamente e metodologicamente para a maratona, fazendo um planejamento que cobria 14 museus em 6 dias (incluindo aqui monumentos como o Arco do Triunfo e o Museu Guimet, que já havíamos ido, mas sem conseguir ver a coleção de Japão e China em função do horário). Deixamos assim de fora o Louvre, que merece uma atenção toda especial, e fizemos um combinado de museus de portes diferentes para cada dia.

E valeu a pena? Bem, pensando em valores foi ótimo. Somando nós dois economizamos cerca de 89 euros. Outro ponto positivo é que o passe evita frustrações. Explico: por exemplo, fomos no Museu Cluny e não gostamos muito. Se tivéssemos pagado os 8 euros na entrada, sairíamos dele desolados, mas como já havíamos pagado o passe, tudo ficou numa boa (mentiras sinceras, às vezes, me interessam). Outra vantagem é que você pode conhecer museus que você não teria maiores interesses. A desvantagem? Fadiga física e mental! Mas se você está afim de economizar uma grana e tem fôlego para maratonas, é uma boa alternativa.

Mas vamos a ela, a maratona:

Dia 1: Começamos o tour na quarta-feira, com a Saint Chapelle, uma capela gótica do século XIII. Ela é bem pequenina e famosa pelos seus vitrais. Confesso que ao subir a pequena escada que liga a parte inferior com a superior e ver os vitrais até me emocionei, achei demais mesmo. Além disso, como ela é pequena, não havia muitos turistas lá dentro, sendo assim um ambiente menos opressor do que muitos pontos turísticos da cidade. Recomendo muito.



Depois da capela, fomos para o Musée de l’Oragerie, que se localiza em frente a Place de La Concorde e dentro do Jardim das Tulherias . O museu em si é pequeno, por isso um pouco muvucado, mas poder ver Monet, Cézanne, Matisse e companhia assim, ao alcance das mãos (ne pas toucher!), é um privilégio. Além disso, ainda temos réplicas de Rodins pelo pátio do museu, incluindo o famoso “Beijo”. E depois disso tudo ainda dá para comer um baguete no jardim, que é muito gracinha. Nem preciso dizer que recomendo.

Rodins no pátio do Musée de l'Orangerie

Como terminamos as visitas relativamente cedo, tanto a capela quanto o museu eram pequenos, acabamos indo ao Museu Guimet de novo (havíamos ido no primeiro domingo do mês, quando muitos museus são de graça). Bem, o Guimet é um museu de arte asiática, bem na pegada imperialista de sempre que nos leva àquela perguntinha incômoda: como tudo isso veio parar aqui? Ele é bem organizado (falo isso porque visitamos um museu em especial que parecia não ter método algum, falarei disso logo), amplo e tudo mais, mas é meio monótono: os itens estão ali expostos como algo exótico a ser admirado (o que acontece também no Quai Branly, mas esse confesso que gostei mais).

Museu Guimet

Dia 2: No segundo dia, começamos pela famosa Catedral de Notre Dame. Bom, que ela é exuberante no seu exterior dá para ver pelo Google Images, mas, repleta de turistas, ela pode ser uma pouco desagradável. Explico: com hordas e hordas de turistas sedentos por fotos/selfies, o monumento histórico fica em um segundo plano no qual ele parece perder a razão de ser. Além da visita à catedral, que é gratuita, há também a visita à cripta, que é paga. Para os amantes da arqueologia é uma pedida.



Após, fomos ao Memorial da Shoah, que é gratuito, mas foi indicado a nós e era no caminho dos museus daquele dia. Na esquina do memorial, uma escola relembra os judeus franceses mortos durante a II GM, especialmente as crianças, muitas das quais eram alunas daquele colégio. De entrada no museu, um muro com os nomes de judeus franceses mortos durante a II GM. Lá dentro, muito bem organizado, uma série de fotos, vídeos e itens dessas vítimas, incluindo uma sala com fotos somente das crianças. Como amostra especial, o genocídio em Ruanda dos anos 90. A sala é pequena em comparação com o restante do museu, mas tem uma força avassaladora: além de fotos e vídeos, estão expostas roupas, sapatos e armas encontradas nos massacres. Para os de coração forte.  E acho que esse é um dos grandes méritos desse memorial: ele materializa o seu homenageado de uma forma que é impossível não sair de lá emocionado. Recomendo.



Depois do memorial, uma visita ao Museu da Arte e História do Judaísmo. Aqui, um estilo de museu mais tradicional, naquele estilo “admire-me ”, contando a história da comunidade ao longo do tempo naquele tom celebratório. E, como desfecho, a formação do Estado de Israel e todo o apagamento das tensões presentes. A parte mais interessante do museu, para mim, uma filha das Letras, são as inúmeras menções a Alfred Dreyfus (Caso Dreyfus), sempre lembrado por nós via Émile Zola e seu artigo, “J’acuse”. 



Dia 3: No terceiro dia, havíamos nos programado para ir ao Centro Pompidou e Arco do Triunfo (especificamente subir no Arco), mas o primeiro mostrou-se avassalador demais: ficamos horas lá dentro. O Pompidou é o museu de arte moderna daqui, localizado em um prédio moderno (nada daqueles museus em prédios históricos e antiquíssimos) com exposições, livraria, biblioteca, café, restaurante, vista gracinha de Paris, etc. e tal. Além disso, o que é comum aqui, tem uma exposição temporária, a qual não temos acesso com o Paris Museum Pass, mas podemos ver todo o restante, é claro, começando por uma “História da Arte, Arquitetura, Design, dos anos 1980 a nossos dias” e terminando com o “Modernidades Plurais: arte moderna de 1905 até 1980”. Neste, você tem praticamente uma aula de história da arte tamanha a organização do museu enquanto vê Matisse, Kandisky, Miró, Picasso, Tarsila, Di Cavalcanti e companhia. Outro ponto positivo é que o museu não é dos mais lotados, assim você pode até admirar com calma os trabalhos expostos, o que é um luxo por aqui. Além disso, você sai dali e está em um região cheia de cafés, artistas de rua, hippies "vendendo sua arte" e, claro, o Marais, famoso bairro da capital francesa.


Vista do Pompidou
 
Próximo texto: Museu do Mundo Arábe, Museu Cluny, Arco do Triunfo, Museu Rodin, Museu Orsay, Pantheon e Museu Delacroix. (turma que vai do decepcionante ao estonteante, passando pelo super valorizado). Para quem quiser ver mais fotos, é só clicar ali no meu nome na barra lateral, você será direcionado para o meu perfil do Google Plus, onde estou armazenando algumas fotos.