domingo, 30 de novembro de 2014

Cidade luz, cidade luzinhas

Acenderam as luzinhas de Natal em Paris (eeeeeh!)! Então esse será um post curtinho para falar do encantamento com as luzinhas na cidade luz. Bem, na verdade o nosso encanto é mais meu do que do Fernando, mas a informação é essa, gente: a cidade ficou mais iluminada e mais bonitinha!

Paris é, de fato, a "Cidade Luz". Em qualquer viela, a iluminação é superintensa, sempre com um brilho amarelo dourado forte nas ruas. Em algumas boulevards principais, o neon também contribui para esse brilho intenso. E, é claro, tem a torre Eiffel. Agora para o final do ano ela acende mais cedo (já que escurece mais cedo também), e faz um pequeno espetáculo de luzes a cada hora. Para o Natal em si, parece que rola uma iluminação especial.

Aqui na nossa rua, as primeiras luzinhas foram colocadas. São meio pobrinhas comparadas com a das avenidas principais, mas têm seu charme. Já as da Vaugirard e da Convention (as principais ruas aqui ao nosso redor) são bem mais suntuosas. E elas têm também uns penduricalhos que parecem brilhar o dia todo - e não só durante a noite.

Rue Dombasle, simples mas honesta.

Vaugirard, dando um ostentada.

Se você caminhar por muitos bairros verá que essas iluminações estão por toda parte e cada uma com um estilo diferente. Imagino eu que isso seja trabalho das "Mairies", as prefeituras dos distritos.

Uma das ruas laterais a Champs Elysées
Mas a grande estrela da iluminação é a avenida Champs Elysées mesmo. Há todo um alvoroço na sua inauguração. Esse ano quem apertou o botão para as luzes brilharem foi o Omar Sy, astro do filme "Os intocáveis" (2011), que é celebridade-mor por aqui.

Champs Elysées, ao fundo a roda gigante da Place de La Concorde






Nos dias 24 e 31 de dezembro as luzes farão um showzinho surpresa para comemorar a data. A gente não sabe ainda o que que é, mas acreditem: ver a cidade luz cheia de luzinhas dá até uma ansiedade pelas festas de fim de ano!


sábado, 29 de novembro de 2014

Praga: um balanço

Como vocês sabem, passamos 4 dias em Praga. A gente abordou em outros textos um pouquinho sobre a viagem, mas eles eram textos feitos no calor da hora e com celular. Como a nossa proposta é fazer do blog um registro diário, qualquer lugar que nos dê wifi garante que o blog saia, ainda que muitas vezes sejam reflexões bem imediatas. Mas como voltamos para Paris, temos que falar um pouquinho sobre essa experiência de viagem com o corpo e a cabeça mais descansados (leia-se: menos intoxicados com as deliciosas cervejas tchecas).

Bom, a primeira coisa que precisamos falar é da experiência de viajar com a Easy Jet. Já havíamos comentado aqui e aqui sobre viajar com a Ryanair, onde o barato não é tão barato assim. A Easy Jet não tem tantos preços baixos como a sua concorrente, mas ele ainda são baixos em vários trechos, é só se ligar nas promoções. As vantagens dessa companhia, para quem tá sediado em Paris, é queos voos saem de Orly ou do De Gaulle, aeroportos que são fáceis de chegar e que você gasta no máximo uns 10 euros nesse trajeto (para Beauvais o trajeto saía 17 euros). Quanto ao conforto, o padrão é aquele de viagens econômicas de 2 horas e com lanchinhos pagos por fora. Eles também são mais organizados e fazem até pesquisa de opinião pós voo, gente. Achei profissional (o que a Ryanair não é: deem uma olhada nessa notícia e nessa). Resumo da ópera: recomendamos muito a Easy e desrecomendamos muito a Ryanair.

O nosso segundo ponto é a Praga tourist trap. Já havíamos feito um post sobre algumas das armadilhas que nos deparamos na Europa, mas até agora nenhum lugar concentrou tantas armadilhas quanto a capital tcheca. Falamos ontem que um dos estranhamentos que sentimos na capital checa foi essa enorme quantidade de museus, na maioria meio feitos sem seriedade e respeito por patrimônio histórico e artístico (Kakfa lá virou qualquer coisa, ao lado do... gengibre, por exemplo). Se você se deixar levar, o que era para ser uma lowcost acaba virando um grande armadilha que custaram muitas coroas checas e frustração, pois eles gostam muito do dinheiro do turista, e muito menos do turista. Para isso, não se iluda: comer e beber em Praga é barato, mas passeios turísticos saem pelo mesmo preço das grandes capitais europeias (e às vezes sem a mesma qualidade).

Museu das máquinas sexuais em Praga

O terceiro ponto é falar do nosso hostel em Praga. A gente tem se hospedado sempre em hostels nas nossas viagens, procurando preços promocionais e o mínimo de condições necessárias para a gente ser feliz (tipo, banheiro limpo, quarto com duas camas, wifi, coisas assim...). Sempre fazemos pesquisas na internet, pegamos dicas de amigos, fazemos as contas e elencamos prioridades: será que vale a pena pagar 50 euros a mais por um banheiro privativo, por exemplo (e quase nunca vale...)? Nessa função, tivemos uma experiência ruim na Itália (não recomendamos o Freedom Traveller Rome Hostel), e boas experiências em Bruxelas (Jacques Brel Youth Hostel) e Cracóvia (Roller Hostel). Mas a experiência em Praga foi algo fora do comum. Primeiro, que reservamos o hostel errado: existe um "Old Prague Hostel" e um "Old Prague House", queríamos o primeiro e acabamos reservando o segundo, sem saber, algo que só fui me dar conta depois que chegamos lá e não reconheci no hostel as fotos que havia visto no TripAdvisor. Então, ficamos no "Old Prague House" e recomendamos imensamente: atendimento sensacional, quarto confortável, banheiros (compartilhados) e muito limpos, café da manhã gostoso (salsichas!), roupa de banho incluída, internet boa, bem localizado, bares e restaurantes próximos e, pasmem, eles nos buscaram e nos levaram no aeroporto sem taxas extras (na chegada, a manager do hostel foi nos buscar no seu carro particular e na saída eles pagaram o táxi para gente). E tudo isso por um ótimo preço! Acho que nunca mais vamos encontrar um hostel assim em nossas vidas... (Saudades, Old Prague House <3)

Old Prague House - casinha medieval e do lado tinha o bar Archa

Por fim, retomar o lance das cervejas. Desconfiamos que em Bruxelas as cervejas que tomamos eram melhores do que as tchecas. As cervejas belgas eram demais, todas elas muito encorpadas e fortes. Com duas você ficava legal e foi lá que conhecemos duas cervejas ótimas: a Chimay Blue (que é uma cerveja escura muito boa) e a blanche (que não é bem uma marca, mas sim um tipo de cerveja tradicional deles que é branquinha, mais aguada e fica boa com...limão). A gente tomou ambas na França depois, mas a verdade é que os preços das cervejas não são muito bons (tanto em Bruxelas, como em Paris). Já em Praga, bom...a cerveja era muito boa no geral. A Ju adorou uma cerveja escura que é a Krusovice Cerne (leia isso com acentos circunflexos invertidos no "esse" e no "cê"), mas mesmo as pilsens tradicionais eram boas. E os preços eram ótimos! Pagando 35 coroas tchecas, dava para tomar um copão de 500 ml de chope (em alguns bares era ainda mais barato!). O Fe chegou a tomar uma cerveja gelada na rua com frio de 2 graus de tão boa que ela era!

O nosso teclado não faz circunflexos de cabeça pra baixo, gente.

Enfim...a gente adorou Praga, a cidade é lindinha e dá vontade de voltar no Old Prague House. Mas cuidado com as tourist traps. Elas estão mesmo em todos os lugares, mas em cidades que vivem praticamente só do turismo isso fica fora de controle muitas vezes.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Estranhamentos em Praga

conhecer outros lugares é um exercício de alteridade constante, de conhecer e se reconhecer, ou não, também. Por isso o post de hoje é bem simples: o que surpreendeu a nós, brasileiros do sul, no dia a dia aqui em Praga. Primeiro, a cidade é linda. Segundo, bem, aqui vai uma lista de coisas "estranhas" para os nossos olhos aqui em Praga:

1. Você pode fumar em quase todos os bares. Assim, fica você, um ambiente fechado e aquecido e com muitos fumantes, porque aqui a galera fuma muito. E aqui falamos de ambientes frequentados pelos tchecos mesmo, já que evitamos os lugares de turista, que são sempre mais caros. Assim, na entrada do bar você já é avisado que ali pode fumar sim, senhor!


2. Cachorros nos bares. Aqui você pode levar seu pet no bar fechado e aquecido, gente! E os cachorros devem estar bem acostumados com isso, pois são bem comportados. Tem um do meu lado agora mesmo!


3. Museus.  Quando chegamos em Paris ficamos assustados com a quantidade de museus na cidade, tem até museu dos correios. Com o tempo vimos que os caras não brincam em serviço: os museus são, na maioria das vezes, muito bem feitos, é visível que um historiador/museólogo participou do processo. Já em Praga... eles tem museu do comunismo, do Kafka, do Mucha, do Kepler, de máquinas sexuais, de tortura, de alquimia, efeitos especiais de filmes, Mozart, gengibre, cerveja, literatura tcheca, enfim, um tourist trap sem fim! E pelo que vi, li e ouvi nenhum é muito sério não, é uma verdadeira dessacralização do museu como patrimônio histórico.

4. Tudo é pago. Quer entrar na igreja? Paga. Quer entrar no cemitério? Paga. Para gente que vem de Paris, onde pelo que eu me lembre só a Saint Chapelle é paga (e vale cada centavo) é bem estranho (isso sem falar em Roma, com uma igreja exuberante a cada quarteirão, e tudo grátis). Aqui os passeios não são de graça (exceto na ponte Carlos IV mesmo).

5. Comer e beber é muito barato, mesmo para padrões brasieiros. A cerveja mais cara custa cerca de 50 coroas o copo de 500ml, o que equivale a 5,67 reais, e falo aqui de uma cerveja MUITO boa. Um delicioso prato de costelinhas deliciosas de porco custa 165 coroas, ou 15 reais. Com 60 reais aqui você consegue fazer uma refeição maravilhosa para duas pessoas e ainda beber  em qualidade e, pasmem, em quantidade.

6. Culto à monarquia. Os tchecos foram muito críticos e resistentes ao culto à personalidade quando faziam parte do bloco comunista. E isso é muito legal! Mas desde que acabou a experiência socialista deles, o passado monarquista passou a ser homenageado em avenidas, praças e pontes. Como a tensão da Primavera de Praga rolou na praça Wenceslau, até faz sentido. Mas tinha que encher os monumentos dos reis com flores??? Desde 1810 eles não são mais uma monarquia, poxa!

7. As limousines e os carros de massagem. Me contaram que rola prostituição pegada aí... O que vocês acham?


8. É difícil ficar bêbado. Você bebe Besherovkas (um típico destilado dessas bandas), cervejas escuras altamente alcoólicas, e esta sempre sóbrio. Nossa hipótese: o frio e a comida pesada deles. O corpo está tão concentrado em digerir a comida e esquentar o corpo que ele metaboliza o álcool rapidinho.

9. Happy hour às 16h. Agora é outono e anoitece às 16h (às 15h as luzes das ruas são acesas). E como o frio aqui é coisa séria, dá pra começar a beber cedinho. Como os lugares são quentinhos sempre, 16h parece uma boa hora para uma hora feliz.

10. Porco here, there and everywhere. Aqui os pratos com porco são frequentes e estão em todos os lugares. Esse animalzinho mágico não nos abandonou nunca aqui, estando presente principalmente nas linguiças (que tinha já no café da manhã) e nas costelinhas (favoritas!).


11. (Bônus track): Maconha. Praga aparentemente é muito liberal com a erva. Tão liberal que seu consumo é permitido por lei numa boa. O resultado é que temos chocolates de cannabis, pirulitos de cannabis, cerveja de cannabis, vodka de cannabis, absinto de cannabis...e tudo isso vendido em qualquer mercadinho de esquina! Não provamos, mas vai dar uns bons souvenirs!

Bom, agora é se despedir de Praga, detonando uma costelinha, bebendo cerveja ...e com um cachorrinho do lado!

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Ouro e sangue

O post de hoje é sobre as igrejas em Praga. E talvez nem todo mundo saiba, mas nem os tchecos, nem os tchecoslovacos e muito menos os boêmios colonizaram outras partes do mundo. Aliás, tudo indica que na grande narrativa européia, essa galera é patinho feio mesmo. Então fica a dúvida: como que as igrejas dessa gente tem tanta prata e tanto ouro?????

Menino Jesus de Praga
A gente não sabe a resposta (mas desconfiamos, claro). Como muitas dessas igrejas foram erguidas entre os séculos XV e XVII, dá pra imaginar que os altares de ouro e prata maciços que vimos são consequência da expansão européia no novo mundo.

Aqui foi território de uma das heresias modernas do cristianismo, que é a religião hussita. Por conta disso, os tchecos receberam a visita sempre simpática dos jesuítas e muitas das suas igrejas são uma salada de frutas, que transitam entre gótico, românico e até barroco...tudo no mesmo prédio.
St. Vitus

A gente que veio do Brasil sabe que quando entramos numa Igreja em Ouro Preto ou Salvador, todo aquele ouro, todo aquele sangue, todo aquele barroco...isso tá tudo relacionado com a escravidão e com a nossa colonização. Mas e os tchecos? Eles podem alegar ignorância?

A Juliane, uma anticlerical convicta, acha que não. Os tchecos não exploraram ninguém, mas suas igrejas estão cheias de ouro e sangue. E aí a dúvida: como lidar com esse passado? Os tchecos apostam na carta da ignorância: a gente não sabe de onde veio o ouro e era isso. Mas nas palavras da minha parceira de blog, "é fácil se passar por vítima da história...difícil é assumir responsabilidade pelos crimes do passado."

Nas Igrejas maravilhosas de Praga, parece que é preciso chegar uns terceiro-mundistas pra problematizar aquilo que essa galera não faz questão de saber.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

10 coisas que aprendemos no Museu do Comunismo

Mais uma "rapidinha" em Praga, e agora a partir da nossa visão sobre o museu do comunismo: é basicamente um museu dedicado a contar a vida dos tchecos quando eles faziam parte do bloco socialista. O museu em si tem uns souvenirs que são sensacionais, com uma zueira bem particular. Mas o museu...bem, digamos que ele gerou aprendizados...


1. Marx era um aventureiro boêmio e propenso ao "titanismo";
2. As teorias de Marx eram " científicas" (estava com aspas, assim);
3. A teoria econômica de Marx era obsoleta e ultrapassada;
4. Lênin era um agente alemão infiltrado só para acabar com a guerra;
5. Nas escolas comunistas, se ensinavam as crianças a odiarem a religião, os ricos e os países democráticos;
6. As mulheres foram inseridas no mercado de trabalho, "ocupando trabalhos de homens", com a " desculpa" da "libertação" feminina;
7. Os EUA nunca fizeram mal a ninguém e qualquer coisa dita em contrário é propaganda comunista;
8. A polícia bater em manifestante e "apreender" máquina fotográfica é coisa de comunista;
9. Culto a personalidade é coisa de comunista também (e por isso o monarca Wenceslau tem estátuas espalhadas na cidade);
10. O comunismo matou mais gente que as guerras mundiais, a peste negra e o dilúvio juntos.


A verdade é que o museu tem que ser visto como fruto do seu tempo histórico. Aqui em Praga, você anda em qualquer rua da cidade velha tem um museu de qualquer coisa (tortura medieval, vidros, cerveja, máquinas sexuais etc). O problema é que são museus privados e são organizados conforme seus donos (sem museólogo, sem historiador). Então o teor "Reinaldo Azevedo" do museu faz todo sentido, ainda mais se pensar que ele é tão pró-americano que chega a ser engraçado.

Mas enfim... Um museu diferente do que vemos pela Europa. E com uma zueirinha que até deu saudades.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Rapidinhas: Praga (comida de rua)

Eu tenho algumas boas pautas para o blog com essa nossa viagem para Praga, mas o cansaço e a cerveja me levaram a fazer mais um post de "rapidinhas" honestas e sinceras de Praga. O tema hoje é comida de rua:

1) Batata frita no palito: Num frio de 3 malditos graus, não deu para sentir elas quentes, mas são deliciosas. É basicamente uma batata inteira, cortada em espiral e presa num palito. E com bastante sal! Podrinho e delicioso!



2) Vinho quente: Essa é moda na Europa (mas quanto mais pro leste a gente vai, maus moda ele fica). Vinho quente é o nosso quentão - exceto que ele é sem cachaça e às vezes acompanha uma rodela de laranja. Parece um quentão fraquinho... Mas a Juliane aprovou!


3) Hot dog: Obvio que os tchecos não chamam assim. Mas é basicamente um pão cheio de mostarda com uma salsicha dentro. Eles têm também o kielbosa (que é um pão com linguiça). O hot dog é bom, mas o com linguiça parece bem melhor.


4) Goulash: Arriscamos o prato tradicional do leste europeu. Russos, tchecos, poloneses, húngaros... Todo mundo quer ser pai (ou mãe) do goulash, mas na verdade ele nada mais é do que uma carne de panela (gorda) cozida num molho bem condimentado. Eu não dei conta dele inteiro, mas a Ju também não achou lá essas coisas. Vale a experiência (ainda que se deva dizer que o pessoal aqui faz cozido de tudo e o goulash é só mais um deles).


Amanhã é um novo dia. E por ora, o jeito é digerir o goulash....ai, ai...


segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Só pra..

Só pra não dizerem que não teve post hoje, esse postinho que é pra lembrar:

1) Que viajar pela Easy Jet é >>>>> que a RyanAir;
2) Que o De Gaulle é >>>>>>>>>>> que Beauvais;
3) Que a lingüiça tcheca parece salame, mas tem gosto de salsicha;
4) Que um real compra oito coroas tchecas;
5) Que a cerveja aqui é mais barata que Paris e Poa (60 coroas paga um caneco de 1l);
6) Que Praga é linda de noite!

E por hoje é só, pessoal.



domingo, 23 de novembro de 2014

Rapidinhas parisienses: Gotas de Cristal

Os franceses são super criteriosos para comidas e bebidas, assim tudo tem nome controlado de acordo com regras específicas, regiões específicas, etc., por isso aquela história de que você nunca tomou champagne, só espumante, pois aquela só é fabricada na região de Champagne, na França (a mesma coisa com "cognac", "armagnac" e afins). No Brasil, elas são bem caras, e aqui não são baratas. Para vocês terem uma ideia, uma garrafa barata de champagne custa uns 15 euros aqui (no site do Monoprix dá para ter uma ideia dos preços), enquanto você pode comprar uma Freixenet Cordon Negro, que é uma espumante, por 6 euros, uma maravilha! Fora que as espumantes que custam uns 4 euros, tipo a "Café de Paris", são bem honestas.


Mas e será que as champagnes são tão melhores assim? Bem, arrisco dizer que as de preço mais acessíveis, não são melhores que as espumantes não. Tivemos a oportunidade de beber uma e achamos que não valeu o preço, principalmente porque não vimos muita diferença entre ela e as espumantes... Claro que não bebemos nenhuma bam-bam das champagnes, mas deu para perceber que ela é a irmã metida a MAIS fina da espumante, só porque é francesa...

Nota mental para as festas de fim de ano: deitar-e-rolar na Freixenet e na Café Paris. Deixemos os puristas com as suas champagnes, porque dá para curtir bem as "Gotas de Cristal" parisienses.


sábado, 22 de novembro de 2014

Perambulando na (porta da) periferia

A gente falou, já em textos anteriores, que Paris é realmente uma ilha. São 2 milhões de habitantes para 9 milhões que ficam na periferia ao redor da cidade. Isso porque desde o final do século XIX a cidade atingiu seu tamanho atual e não se expandiu para além das "portas" que estão praticamente em cada uma das pontas da cidade. Mas isso não significa que tudo perto das portas é periférico: o nosso bairro, por exemplo, fica numa zona de classe média (e que alguns dizem é bastante "BoBo" - ou burguês-boêmio), mas é pertinho da "porte de Versailles". Outras "portas", contudo, são ocupadas por grupos sociais bem mais diversos. E hoje acabamos indo perambular numa das mais famosas portas de Paris: a "Porte de Clignancourt".



Essa é uma zona conhecida por parisienses e estrangeiros por abrigar, todos os sábados, um enorme "mercado de pulgas", com uma pá de antiguidades sendo vendidas para os colecionadores. Fomos lá com um casal de amigos e saímos um pouco decepcionados - os objetos eram bonitos, mas muito mal expostos e logicamente caros. Contudo, não se costuma falar é que, ao redor dos antiquários, vocês podem encontrar diversos ambulantes vendendo roupas, malas, acessórios, bijuterias e toda espécie de quinquilharia possível. Bem-vindos ao principal camelódromo de Paris!

A nossa missão era relativamente simples: comprar uma mala pequena para que pudéssemos usar para viajar e para voltar para o Brasil. Contudo, o preço é que não era fácil de obter - eu (que segundo a Juliane sou o mão fechada do casal) fazia questão de pagar menos de 15 euros pela mala.

Saímos de uma atividade na Sorbonne, que possui um campus bacana bem pertinho dali, e chegamos na estação de Clignancourt. Era hora de encarar o camelódromo parisiense! Cheios de coragem no peito e uma fome monstra no estômago, fomos para os mercados de ambulantes. Antes do viaduto que separa a "porte", os preços eram realmente mais caros. As malas estavam acima dos 20 euros (a mais barata!), então não dava para pegar. Nas lojas ao nosso redor, casacos caríssimos, botas por preços elevados. Será que estávamos no lugar certo? Até a C&A tava com preços mais baratos!

O jeito foi atravessar o viaduto ("Boulevard Ney") - embora a gente passe por baixo dele. Ali encontram-se também uma série de vendedores ambulantes, mas é um cadinho mais complicado. Os vendedores ali não são regulares, ou seja, eles são daqueles que vendem um "Iphone 6" legítimo (ou assim eles dizem), assim como Rolex e alguns tênis caros. É total cilada, claro, mas os vendedores são mais ostensivos. O negócio é manter a calma e dizer "non, merci" - praticamente um mantra para qualquer estrangeiro em Paris.
Foto do Tripadvisor
Do outro lado da Boulevard Ney, fomos andar pelo meio das lojas. Aqui é preciso ficar atento no clima completamente "anti-parisiense" que se encontra. Os vendedores tocam os clientes, te interpelam, fazem gracinhas... Mais maluco ainda é que os preços das mercadorias não estão expostos. Então você chega, pergunta quanto tá a mala e o sujeito olha para tua cara, para as tuas roupas e aí define o preço: 30 euros! E eu nem estava tão arrumado assim!

Comentei com a Juliane depois que sim, o preço era mais caro, mas ali era uma zona de negociação. Claro que você não vai pechinchar assim na maior, ainda mais sem conhecer os códigos locais, mas é bom saber que o preço que o vendedor define não é definitivo. Ao andarmos por esse lado da Boulevard, começou a bater um certo desespero. Nada de malas baratas, o cheiro forte de "kebab" por todo o lugar, várias línguas que não conhecíamos (e olha que ainda apanhamos com o francês às vezes). E como estávamos com fome, ainda começou a bater aquele mal humor vindo lá da boca do estômago. Era hora de parar pra comer.

Mas e a mala? Pois segue o baile, vamos entrar naquela rua.

Seguindo a "porte de Clignancourt", mais lojas. Agora um pouco menos muvucadas, mas que formavam um estreito corredor onde você não tinha por onde ir. Ou seguia em frente, ou dava meia-volta. Mas quem caça pechincha tem que fazer dessas coisas. E em duas lojinhas, sucesso parcial - malas por 15 euros! Na lógica de que o mercado é flexível em Clignancourt, ambas as malas aparentemente custavam 20 e poucos euros, mas o preço anterior estava riscado e estavam marcadas com 15. Ainda tava caro na minha opinião, mas quem sabe batendo perna encontrávamos algo melhor.





E encontramos... um lugar para almoçar. Ok, é menos glorioso, mas deu para comprar um xis frango, batatas e bebida por 5 euros num restaurante na "porte". O preço honesto fez com que eu me atrevesse a tomar a Orangina, um refrigerante de laranja tipicamente francês. Eu admito para vocês que detesto refrigerante, mas já que eu tava no meio de uma experiência antropológico eu pensei: "por que não, né?" Só que a Orangina é um horror. É uma Fanta amarelada e mais doce ainda. Para quem não bebe refrigerante, a Orangina não pode ser considerada decepção. É só uma meleca amarelada mesmo.

Empanturrados com as deliciosas fritas francesas (elas realmente eram muito boas...aliás, na Europa todas as fritas costumam ser boas), voltamos para o desafio da mala de menos de 15 euros. Mas a parte triste é que não encontramos ali em Clignancourt. Mas não me dei por vencido - voltamos na barraquinha de uma senhora que tinha a mala de 15 euros e fiz uma boa e velha pechincha. Foi estranho que para isso, ela chamou o marido e em um breve momento achei que era para me intimidar - mas pelo visto é porque o francês dele é melhor (ou pior...vai saber). Resultado? Mala por 13 euros comprada!

Esse relato, claro, é bobinho que só...porque o que eu não falei aqui é que as "portas" parisienses são as portas de acesso a periferia de 9 milhões de habitantes. E que com isso, há uma tensão social e étnica forte demais! Muitos argelinos, senegaleses, marfinenses, ou seja, boa parte da comunidade franco-africana estava lá. Encontramos lojas islâmicas, claro, mas ali a cultura periférica indicava outra inserção: menos focada na religião, mais focada na tensão social vivida e experimentada. Camisetas do Che Guevara, camisetas em defesa da Palestina, bandeiras da Argélia... Havia um certo orgulho de uma identidade terceiromundista que assombra qualquer um que pense em Paris como a cidade do amor, ou a cidade luz. Ali é uma pequena amostra de uma Paris bem mais real, bem mais caótica e bem mais tensa.

Voltamos para a casa, no nosso bairro BoBo e ficamos aqui pensando nisso: o que significa ser periférico em Paris? No Brasil, mesmo na nossa vidinha classe média, a gente tem alguma ideia do que é isso - afinal, em terra brasilis, a periferia tá em todo lugar e prestes a explodir. Mas em Paris a tensão é de outra ordem: essas pessoas realmente estão fora do escopo urbano, isoladas por boulevards e muros que os separam da cidade do amor, da cidade luz. Eles são o terceiro mundo de um primeiro mundo que tá logo ali, a poucos quilômetros de distância.

No final das contas, era só para comprar uma mala baratex. Mas acabou virando um passeio pelo lado de Paris que nenhum manual turístico vai trazer.

Em busca do "pinte" sagrado

Antes de vir para Paris, o Fernando, um cervejeiro confesso, "reclamava": "droga. lá a gente só vai beber vinho". Eu, uma apreciadora de uvas alcoólicas, não via nenhuma problema nisso. Mas, chegando aqui, enfrentamos um mês de temperaturas altas, outro de temperaturas amenas, e só agora, em novembro, que esfriou mesmo (9 graus nesse momento). 

Porém, apesar do frio, em todos os malditos lugares fechados é quente. Assim, toda aquela vontade que você tem de tomar um vinho, uma sopa, uma qualquer bebida quente, meio que se esvai quando você sai da rua para o ambiente privado. Dessa maneira, eu já aceitei que a cerveja é a bebida oficial da temporada francesa.

Assim, como bons estudantes, buscamos sempre os menores preços em bares (beber em casa sempre é mais negócio, mas não dá para ficar trancafiado, né? Já chega a parte de escrever a tese...). Seguimos algumas indicações do Paris Lado B (blog super recomendado em português) e de alguns blogs em francês (buscando "bière pas cher"), e conseguimos pintes 3,50 ou 3 euros, o que é bem barato por aqui (em média, no happy hour eles saem de 4 a 5 euros, mas você pode encontrar mais caro, dependendo da região). 

A gente gosta muito do 11eme, mais ou menos uma Cidade Baixa sem os Pedrinis e tias-não-sei-o-que (já falamos disso em algum outro post, eu acho) e conseguimos beber por 3,50 lá, ou 5 euros um pinte da Delirium (super top). Mas explorando os quarteirões da Oberkampf (a rua "quente" do bairro), chegamos até o Oberkafé, um bar na esquina da Oberkampf com a rue Moret, com pintes a... 2,50 euros! Nesse caso, mesmo convertendo, o preço é ok (imagine você, porto-alegrense, tomando um chopp de 500ml por R$ 8,50). E quando você comete o erro de converter e ainda ficar barato é porque...é MUITO barato!


O happy hour dura até as 22h e começa às 16h. É bom chegar cedo porque quanto mais tarde, mais cheio. Além disso, a atendente, uma menina da República Tcheca, é uma queridona, que fala inglês, francês, tcheco e ainda sorri pra gente! Além disso, você pode fazer um belisco em qualquer fast food da região por míseros 4 euros (não converta, esse valor aqui é uma pechincha para uma refeição!).

Hambúrguer no "Blache d'Olive", na Oberkampf
Para quem está buscando lugares mais baratos e descolados em Paris, o 11eme nunca decepciona.


quinta-feira, 20 de novembro de 2014

O Oriente é aqui

Quando viemos para Paris, sabíamos que essa seria a experiência mais cosmopolita de nossas vidas. Tanto eu quanto a Juliane nunca havíamos morado numa cidade maior que Porto Alegre e, apesar de ter conhecido outras capitais no Brasil e no mundo, nada é tão impactante em Paris quanto essa sensação de estar no coração do mundo mesmo. E a cidade não é tão grande quanto se imagina - ela tem cerca de 2 milhões e 200 mil habitantes (embora se formos contar a periferia parisiense, esse número salta para 9 milhões de almas). Mas o que tem me chamado atenção nos últimos dias é a constante presença de culturas ditas "orientais" presentes na capital francesa.

Nas nossas primeiras semanas, reparamos que estávamos cercados por cerca de 3 restaurantes japoneses, 3 tratorias chinesas e um kebab de rua libanês - isso tudo numa mesma quadra. Andando ao redor do bairro, perto da nossa estação de metrô, é possível encontrar restaurantes indianos, tailandeses, vietnamitas, cambojanos, coreanos, árabes, sírios, iranianos, marroquinos, argelinos, tunísios, cingaleses...e isso num raio muito pequeno do nosso querido 15éme (um bairro de classe média, com presença tímida de imigrantes). A presença do "Oriente" também pode ser vista nos supermercados, que oferecem produtos de consumo japonês, chinês, indiano e tailandês a preços muito mais baratos do que encontraríamos em Porto Alegre - ou em qualquer parte do Brasil, a bem da verdade. E além da comida, também há toda uma série de casas de massagens tailandesas e chinesas - que para ser bem sincero, não tenho certeza se é só massagem que é oferecido lá.

Além de comidas e massagens, tem também os museus. Já falamos do Quai Branly e do Museu Guimet (aqui e aqui), que são museus construídos a partir da pilhagem exposição de objetos do Extremo Oriente (o Quai Branly tem coleções da África, da Oceania e da América também). Nesses museus, você tem todo um gostinho de oriente, com cabeças gigantes de Buda talhadas em rocha, elefantes de bronze das primeiras dinastias chinesas, espadas e armaduras samurais.


Museu Guimet
É uma forma de entrar em contato com essa cultura do Extremo Oriente sem nunca ter pisado lá. E isso que também dá para falar das exposições com gravuras japonesas e dança tradicional chinesa, que ocorrem em locais como o Palais du Congrés. Admito que algumas eu morro de vontade de ver, mas a Juliane não é tão ligada assim quanto eu nessa cultura oriental (de consumo ocidental).

E, é claro, deve se falar da presença de imigrantes. Alguns deles já estão estabelecidos a duas ou três gerações em Paris, então é até estranho falar nesse sentido. Mas quanto mais perto das "portas" de Paris, mais próximos estamos de zonas de imigrantes, que reivindicam sua identidade nacional além dos limites da francesa (até porque, nem todos os franceses parecem querer aceitar os imigrantes dentro de sua pátria). Mas a imigração não é só "árabe", não. Ela é forte, claro, mas há uma multiplicidade de imigrantes de países asiáticos (e também africanos, claro) que cria grupos étnicos diferentes no mesmo espaço. No 20éme você pode encontrar toda uma zona de imigração indiana e paquistanesa, enquanto no 13éme existe o quartier chinois. Entretanto, é bom avisar: no Brasil a gente não tem nenhuma formação urbana assim. Os espaços dos imigrantes parecem bastante demarcados e lembram um pouco a ideia de "gueto" mesmo. No Brasil, essa guetificação varia de cidade para cidade, mas há espaços de convivência comuns na maioria das capitais. Não sei se é bem o caso de Paris.

Em parte a gente acaba se sentindo realmente no centro do mundo aqui, como se todas as culturas viessem para Paris. Mas aí a gente tem que abrir o Edward Said, dar uma lida e respirar fundo. O "Oriente" para consumo e o "Oriente" das tensões sociais são, de uma certa forma, o mesmo "Oriente": um discurso que parece mais afirmar o que se quer chamar de "Ocidente" a partir do outro (ou melhor dizendo, da negação do outro). A ideia de colocar diferentes culturas e salientar-lhes seu "exotismo" - ou o seu "perigo" - parece uma forma de lembrar que o francês não é e não faz parte desse cenário cultural. Em alguns casos, como se trata só de consumir a mercadoria "Oriente", parece bastante inofensivo. Mas quando entram os estereótipos e as batidas policiais, parece que a lógica do "Oriente" como inimigo segue forte.


Um dos casos mais famosos aqui na França foi a polêmica com o hijab, o véu feminino islâmico. Desde o final dos anos 1980 isso gerava tensões na comunidade escolar francesa, que sempre prezou pela laicidade das instituições de ensino. Aqui não rola crucifixo em nenhum prédio público, não. Pois nos anos 1980 e 1990 vários legisladores e burocratas passaram a combater o uso do hijab em espaços públicos e isso estourou justamente nas escolas públicas francesas. Hoje em dia o véu pode ser usado, desde que não tape os olhos. Mas ainda há processos na justiça francesa de centenas de alunas que foram expulsas das escolas por se negarem a tirar o véu durante as aulas.

É no mínimo curioso que o Oriente esteja tão presente em Paris. A gente sabe, claro, que é um Oriente que agrada os franceses: ou exótico e pronto para consumo, ou tensionado que mascara a dominação e a exploração social. Mas ele tá ali. Nos outdoors dos metrôs, nas mulheres de véu, nos restaurantes com cheiro de peixe, ou até nas casas de massagens...

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Tourist trap (Parte I)

Quando estivemos em Cuba, dois anos atrás, conhecemos um casal holando-dinamarquês em Havana. Por aqueles dias estávamos indo até Trinidad, um cidadezinha de passado colonial no interior do país. Segundo o casal, Trinidad era uma tourist trap. E disseram isso em português (eles moravam 6 meses do ano em Portugal para fugir do inverno holandês), então, na hora de definir o termo, faltou vocabulário, mas segundo eles quando chegássemos lá iríamos entender.

Foi assim que a gente conheceu um termo essencial para a vida de que volta e meia se vê como turista, o tourist trap. Mas o que seria isso? A tradução literal é "armadilha para turista", e é exatamente isso que ela é: você vai em um lugar com super potencial turístico e que exatamente por isso é mega explorado pelos locais, seja cobrando preços exorbitantes, seja cobrando por algo que não deveria ser cobrado. Naquela situação em Trinidad o que acontecia: muito assédio no oferecimento de passeios, mas diferente de Havana lá todos os lugares eram pagos, os garçons nos abordavam de forma mais ostensiva, muitos nativos tiravam as solitárias senhoras europeias para dançar já pensando no golpe, essas coisas. 

Apreendido o significado de tourist trap, passamos a procurar essas informações quando planejamos algum passeio para não cair nessas armadilhas. Mas, nem sempre é possível, por isso o post de hoje é para falar da MAIOR tourist trap que conhecemos aqui até agora, e de algumas pequenas armadilhas (que daí vão depender de ponto de vista, eu acho).

The oscar goes to... RYANAIR. A gente já falou nesse post aqui como era viajar pela empresa: nada anormal para quem viajar de Gol, TAM e Azul dentro do Brasil. Mas o problema da Ryanair não está no voo, nem no avião, nem nos preços camaradas e nem no fato deles terem uma loteria dentro do avião (juro!). Ele está em seu aeroporto, o Beauvais. E nem é porque ele já foi considerado o pior aeroporto da Europa, ele pode ser uma rodoviária, não tem problema, eu juro. O primeiro problema é que ele fica a cerca de 88 km de Paris, ou seja, ele nem é em Paris.


Mas isso não é um grande problema. Você pensa: paguei tão barato para viajar, não há problema nenhum em pegar um ônibus até lá. E esse ônibus existe, você pega aqui em Paris e ele te deixa lá no aeroporto de Beauvais e demora cerca de 1h30 - num ônibus sem lá muito conforto e sem wifi (lembrando que já fomos de Paris para Bruxelas num busão confortável e por 1 mísero euro - ver aqui). Se você calcular o tempo da viagem, mais o deslocamento dentro de Paris, mais o horário que precisa estar no aeroporto... bem, você precisa sair de casa umas 4 horas antes de embarcar. Não é legal, mas você pensa que valeu pela economia e tudo mais, afinal, se você pegou as passagens promocionais tradicionais você pagou 20 euros o trecho (o que pode ser Paris-Roma, Paris-Cracóvia, Paris-Madri, Paris-Lisboa, enfim, beaucoup de coisas). O problema, caro leit@r, é o preço que você paga pelo ônibus: 17 euros (ou 15,90 se você comprar pela internet e trazer o comprovante impresso). Trocando em miúdos: o trecho que você pagou 20 euros, acaba de virar quase 40. Sabe a economia? Talvez não seja tão econômica assim.

A EasyJet também faz lowcost por aqui e usa o De Gaulle e o Orly, que você chega de metrô. Ainda não viajamos com ela, quando acontecer contamos aqui. Mas Beauvais, nunca mais! 

Agora as pequenas tourists traps que já encaramos, na minha modesta opinião.

1) Subir no Arco do Triunfo (Paris): custa 8 euros, é uma canseira, e você sobe lá em cima e o que mais vê é poluição. Talvez à noite seja legal, fomos de dia. Mas li em algum lugar na internet que subir na Torre Eiffel é mais armadilha ainda, não fomos. Atenção com os pickpockets!

2) Museu Vaticano (Vaticano): se você vai até lá sem o intuito religioso (que era nosso caso), só para ver a Capela Sistina, bem, prepare-se. Do metrô até o museu são milhares de ofertas de passeios guiados e o escambau. E chegando lá, as informações não são nada precisas: onde comprar, que fila entrar. Além disso, para subir na cúpula da basílica você paga 5 euros (se você quiser carona de elevador na primeira parte, mais dois euros - e 300 degraus a mais para subir), para ir no museu outro  ingresso (16 euros - caríssimo). O museu em si tem um monte de coisa bacana, mas é meio desorganizado, muitas obras sem referência, por exemplo. Outro problema: é abarrotado, e abarrotado pelos malditos passeios guiados que se aglomeram pelos corredores. E como o museu é meio um labirinto, você precisa passar por isso para chegar até a obra mais importante, a capela. Quase chorei vendo ela, e acho que valeu a pena, mas não é um passeio agradável propriamente: você precisa superar os obstáculos.

3) Museu Delacroix (Paris):


Ah, "A liberdade guiando o povo", o mais famoso quadro do Delacroix, que faz parte de todo um imaginário sobre França, romantismo... não está no museu (e nem em Paris, está em Lens, no norte). Mas ok ela não estar lá, ele tem outras obras, certo? Tem, mas juro para vocês que tem meia dúzia, mais ou menos duas salas com alguns quadros e objetos pessoais. Além disso, o folder reforça a presença de um "lindo jardim romântico". Fomos lá em setembro e o jardim não tinha nem flor... Era mais romântico ter comido um baguete nos jardins de Luxemburgo - adoro!

4) Visitas guiadas

Paris é cheia de turistas mesmo. Os parisienses não costumam ter muita paciência com eles - e às vezes nem com a gente. E com tanto turista, é inevitável que tenham os tenebrosos passeios guiados. Tenho pavor deles! Eu e o Fernando comentamos já que para muita gente é importante, pois com pouco tempo, ou pouco conhecimento acerca do lugar que você tá visitando, um guia pode ajudar muito. Mas ainda assim, tenho pânico dos guias e de seus discursinhos ensaiados. Como a visita deles é super programada, há pouco espaço para você olhar com mais atenção alguma obra que te chamou atenção, ou um lugar que tu tem mais dúvidas. Se você não está sozinho dando uma de turista, a minha dica é ficar atento nos mapas e guias de internet, ir no museu e tentar comentar com a outra pessoa para que vocês possam registrar as coisas. O guia é um profissional que acaba fazendo sempre o mesmo roteiro e sempre da mesma forma. Você não precisa transformar seu passeio num exercício fordista de turismo, né?

Ainda temos algum tempinho por aqui, certo que outras tourist trap virão. Mas a gente segue aqui, desviando das buchas mais temerárias.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

A visita a Birkenau

A Juliane tentou dar uma quebrada na narrativa sobre nossa visita a Auschwitz ontem e ainda bem que ela fez isso. Mas no final das contas, restou ainda falar de Birkenau, ou Auschwitz II, o campo responsável pelo extermínio sistemático de judeus e roma durante a Segunda Guerra Mundial.

Fomos para lá no início da tarde, num dia frio e cinzento. Essas experiências estéticas são curiosas...era uma tarde fria de novembro e o dia estava absolutamente cinza. As folhas das árvores davam um toque todo outonal e melancólico na paisagem, dando a impressão de que aquele lugar sempre fora assim. Em quase todos os filmes sobre o assunto, a paisagem de Auschwitz é simplesmente cinza. Eventualmente com neve, mas nem sempre. É difícil imaginar que num campo de concentração e extermínio pudesse haver sol, ter o desabrochar das flores, os pássaros cantando... é como se fosse preciso que a paisagem natural estivesse ligada diretamente a tragédia humana.


A entrada em Birkenau ainda guarda todos os trilhos do trem que levava as pessoas para o campo. Como falei no texto anterior, os vagões de trem eram lotados muito além de suas capacidades. Lá dentro, não havia paradas para alimentar as pessoas. E para beber, somente o degelo da neve permitia que eles ingerissem algum líquido. Qualquer excreção que seja era feita em meio a centenas de pessoas. E era nessas condições que os trens chegavam a Auschwitz. A média calculada pelos historiadores registrada no museu é que entre 66% a 75% das pessoas que chegavam nessas condições eram enviadas diretamente para as câmaras de gás - dado o fato que não tinham condições de trabalhar. Era ali, em Birkenau, que as famílias eram separadas de fato. Auschwitz I era mais um campo de prisioneiros, construído originalmente com esse propósito em 1940. Birkenau, construído em 1941, era um campo cujo propósito central era o extermínio.


A ideia de construir o campo era aproveitar o espaço que sobrava para desobstruir Auschwitz I. Assim, Birkenau foi construída a partir de uma série de estábulos de madeira, onde os nazistas instalaram beliches improvisados também com madeira. Em cada um desses beliches havia 3 andares, sendo que o andar de baixo era o chão de terra batida. Em cada andar ficavam cerca de 8 pessoas, totalizando aproximadamente 24 indivíduos num beliche. Apesar das condições de desnutrição crônica, era comum as camas de madeira cederem e desabarem sobre aqueles que ficavam nos andares de baixo. Assim, lesões e morte eram comuns até mesmo durante as poucas horas de descanso dos prisioneiros.


Posteriormente os nazistas construíram barracões de tijolos, especialmente dado o frio incessante da região. O sistema de acomodação dos prisioneiros, contudo, não melhorou. Havia dois fornos a lenha dentro dos barracos, mas eram comuns os casos onde a lenha úmida soltava mais fumaça do que produzia calor, o que acabava prejudicando especialmente as crianças e os prisioneiros mais debilitados. Nos barracões de madeira ainda era possível ver o sistema de latrinas construído pelos nazistas que, a bem da verdade, não era um sistema. Era somente uma placa de pedra sobre um banco e com diversos buracos redondos para as pessoas fazerem suas necessidades. O problema é que não havia escoamento e, consequentemente, os excrementos ficavam todos ali. Entrando num desses barracos ainda hoje é possível sentir cheiros desagradáveis, provavelmente dos ácidos expelidos pelas fezes e urina.


Nos barracões, como afirmei anteriormente, homens e mulheres eram separados. Os homens geralmente eram conduzidos para trabalhar nas fábricas próximas, sendo a mais favorecida a IG Farben, uma empresa química alemã que atuou até a década de 1950 e teve todos seus executivos responsabilizados e condenados no Tribunal de Nuremberg. Já as mulheres tiveram pior sorte - em 1942 foi feita a transferência das mulheres de Auschwitz I para Birkenau e nesse processo, 8 mil mulheres foram enviadas às câmaras de gás do campo. O que percebemos também é que os efeitos devastadores na forma física e na saúde eram mais devastadores nas mulheres: elas faziam parte do que muitos chamavam em Auschwitz de "muçulmanos" - pessoas que estavam esquálidas e exaustas, sem condições de sobreviver. Além disso, havia toda uma preocupação dos cientistas alemães em esterilizar as mulheres prisioneiras - inclusive inventando métodos extremamente violentos para isso.


Birkenau ampliou (e muito) a capacidade de destruição humana de Auschwitz. Lá foram criadas mais quatro câmaras de gás e seus respectivos crematórios. Hoje restam apenas as ruínas deles, destruídas pelos nazistas com dinamite. Em todas essas ruínas é possível observar as celas subterrâneas por onde passavam os prisioneiros antes de irem para as câmaras. Porém, a destruição é tal que chega a ser esquisito se deparar com os escombros daquilo. Desde a chegada do Exército Vermelho, os escombros não foram removidos. Na verdade, eles serviram como evidência no Tribunal de Nuremberg, onde o líder nazista Rudolf Höss foi julgado e condenado. Aliás, a condenação de Höss ocorre justamente em Auschwitz I, num púlpito de frente a única câmara de gás que não fora destruída. Ali ele foi enforcado diante da presença de autoridades polonesas. Quando perguntado se ele era responsável pela morte de 3 milhões de pessoas, Höss respondeu que não, somente de 2 milhões, já que o resto teria morrido de fome e doenças. O púlpito onde ele foi enforcado ainda se encontra em Auschwitz I.


Ainda sobre Birkenau, é lá que foi feito um memorial no final da década de 1950 para lembrar os horrores. A estrutura do memorial é em uma espécie de escadaria, que garante a vista panorâmica do campo. Lá há uma escultura com a seguinte inscrição: "Que este local sirva como lamento desesperador e aviso a humanidade, onde os nazistas assassinaram um milhão e meio de homens, mulheres e crianças, principalmente judeus, de toda a Europa". Ela é escrita em diversas línguas e a parte central é escrita em polonês - apesar da maior comunidade judaica atingida ter sido a húngara. Contudo, a escultura nos deixou um tanto quanto confusos quanto aos nossos sentimentos. Sabe-se que quase 90% da população morta era, de fato, judia. Mas a monumentalização das placas tende a colocar em evidência somente o grupo mais atingido. E embora esse seja um tema espinhoso, há um outro porém a ser citado: é em Birkenau que os nazistas construíram o único campo destinado aos prisioneiros sinti e roma, ou seja, ciganos.


O porajmos é o nome que os ciganos dão ao holocausto. As suas cifras são menores do que o que ocorrera com a comunidade judaica, mas não menos impactantes. Apesar das dificuldades em quantificar, cerca de 220.000 pessoas sinti e roma morreram nas mãos dos nazistas (aproximadamente 40.000 somente em Auschwitz) e isso seria mais ou menos 1/5 da comunidade cigana mundial (entre os judeus, o número chega a cerca de 1/3 da população mundial). O zigeunerfamilienlager (ou "campo familiar cigano", segundo traduções na internet) era isolado dos demais grupos e os ciganos receberam triângulos marrons para identificá-los. Ele ficava num dos extremos em Birkenau, sem qualquer identificação atual. Possivelmente porque ele foi fechado em 1944, após Himmler ter dado a ordem de executar os últimos 2.000 sinti e roma que ainda estavam ali.


É natural que o holocausto torne-se uma narrativa de destruição pessoal para os que mais foram atingidos por ele - e que com isso se constituam identidades nacionais fortalecidas pela sobrevivência. Sabemos disso e compreendemos bem esse processo. Mas a sensação que tivemos é de que Auschwitz (e os demais campos de concentração) foram uma derrota para a humanidade. Que independente de etnia, religiosidade ou gênero, a tragédia tem um componente universal que não podemos escapar. É como se fossemos ao mesmo tempo vítimas (porque solidários a todos que sofreram) e culpados (porque incapazes de garantir que isso nunca mais irá acontecer). É nesse precário equilíbrio que sobrevivemos após essa visita em Auschwitz...e eu queria poder ter uma mensagem um pouco mais animadora para quem leu e acompanhou esse nosso olhar sobre a destruição. Mas não tenho. Deixo, contudo, as palavras de uma das vítimas mais famosas de Auschwitz:

"Apesar de tudo, eu ainda acredito na bondade das pessoas." (Anne Frank)


segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Será que chove?

Reza a lenda, e a prática, que: na falta de um assunto, fale do tempo. Pois bem, caberia a mim falar sobre a segunda parte do nossa ida a Auschwitz-Birkenau, justamente Birkenau. Mas pensei, cá com meus botões, que isso não era assunto para uma segunda-feira, oras! Assim, para aliviar o começo da semana, e não relembrar a nossa face mais assustadora (a criação de uma sistema metódico e racional para o extermínio - precisarei de uma vida e muitos livros para tentar colocar em palavras e compreendê-las), recusei a minha tarefa, deixando para o historiador da casa resolver a lacuna da narrativa. 

Dito isso, só tenho uma pergunta (e um assunto) a tratar: será que chove? 

Hoje (e ontem), chove aquela chuvinha fina, gélida aqui em Paris. Aquela da dúvida: será que abro o guarda-chuva? Quanto ao frio, têm feito em torno de 10, 9 graus, nada insuportável, até porque todos os lugares fechados são quentinhos graças ao sistema de aquecimento local. Aqui em casa, com três aquecedores, não há lugar que não dê para ficar com um blusa leve de manga comprida. Porém o pessoal daqui já nos avisou que "o tempo está louco", já que era para estar uns 4 graus há muito tempo, essas coisas.

Mas esse frio e essa chuva são bem recentes: quando chegamos em setembro, final de verão deles, pegamos um mês de dias ensolarados e temperaturas deliciosas em torno dos 25 graus (tudo isso depois de um agosto chuvoso e sem sol). Mas o que mais nos chamou a atenção aqui foi a falta de chuva, afinal, vínhamos de um inverno uó em Porto Alegre: chuvoso e úmido. O que víamos eram umas garoas meio sem graça, que duravam no máximo meia hora: chuva torrencial, até hoje, quase três meses depois, nada. Agora com o frio é que elas se tornaram mais frequentes - mas chuva de alagar mesmo, só no sul da França. 

Sem chuva, e com o tempo seco, pele, cabelo e sistema respiratório sofrem um pouco. Com o frio e os aquecedores ligados o tempo inteiro, isso tende a piorar. A parte boa para a pele é que o sol é fraquinho; a parte ruim para a vida é que o sol é fraquinho, pelo menos nessa época do ano. Quer dar uma lagarteada no inverno? Em POA, uns minutinhos e você já torrou. Em Paris, pode ficar horas, você não vai torrar, mas também não vai se esquentar muito não...  (a prova de que o sol aqui é meio "lusco-fusco" são as palavras do Fernando sobre mim: "nunca te vi tão branca!", e olha que eu ando procurando sol na rua...)

Tivemos oportunidade de visitar outras cidades na Europa, conforme já comentamos em outros textos e encontramos, em cada uma, climas bem díspares dos daqui e dos daí. Em Bruxelas, no início do outono, em outubro, pegamos neblina, frio e garoa (e algum sol também, sejamos justos). Bem mais úmida que Paris, ficamos imaginando como seria um inverno por lá, com umidade e frio (!). 

Bruxelas: nuvens de garoa ao fundo

Já em Roma, como esperado, temperaturas muito amenas para um outono europeu, com sol, 20 graus, e chuvas que vinham do nada e duravam 10 minutos! Inclusive, essa chuva que é fraquinha aqui em Paris, para as bandas da Itália e de sua fronteira com a França tem vindo fortes pacas: as notícias são de enchentes e estado de alerta em Roma, com o conselho das pessoas só saírem de casa para trabalhar e em caso de emergências (notícias em português aqui, aquiaqui e aqui).

Roma: cinco minutos antes tinha sol (doudoune sempre a postos!)

Mas frio mesmo, de renguear cusco, encontramos em Cracóvia, onde o sol se põe às 16h. Com uma neblina que não vai embora nunca (ficamos só dois dias, mas não vimos sol, nem céu), a média era de 6 graus, e o Wheater Channel me avisava que a sensação térmica era de 3, mas em dado momento acho que chegou a zero graus. Não é a toa que eles tem vodkas deliciosas e vinho quente (tinto e branco) para esquentar. Mas como em todo lugar frio do lado de cá, os ambientes internos são aquecidos. Lá, dava para ficar de manga curta dentro de todos os lugares.  Se esse é o outono imagina o inverno! (Por curiosidade: a partir da semana que vem, a meteorologia aponta mínimas de -2 e máximas de 2,3 graus em Cracóvia).

Cracóvia: amarela, vermelha e gélida (doudoune presente!)

Temos muitas temperaturas novas (negativas) para descobrir ainda, assim como a imagem de uma Paris ensolarada pouco a pouco vai se esvanecendo na paisagem diária (já fomos avisados que ficar meses com essa cara cinzenta é comum), mas munidos de nossos doudounes, de nossas botas forradas com pelúcia (sim! e por uma pechincha!) e de aquecedores, sobreviveremos. E acho até que nem reclamaremos do calor de janeiro em Porto Alegre.
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(ou só um pouco)

domingo, 16 de novembro de 2014

Pensando (ainda) sobre Auschwitz

"Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie" - Walter Benjamin

Auschwitz é hoje um museu. Um museu como nunca vimos antes. Ele é a ruína do principal complexo de extermínio criado pelos nazistas, composto por três campos: Auschwitz I, Auschwitz II - Birkenau e Auschwitz III - Monowitz. Nesse campo de concentração e extermínio, mais de 1 milhão e 300 mil pessoas perderam a vida nas mãos de um intrincado e moderno sistema de destruição. As suas ruínas foram transformadas oficialmente em museu a partir de 1947, quando a Polônia realizou uma exibição de tudo que os nazistas deixaram para trás. Hoje ele é considerado patrimônio da humanidade pela UNESCO.


É possível afirmar, pela nossa percepção sobre as ruínas atuais de Auschwitz, que elas trazem dois marcos para quem quer conhecer essa história: o primeiro é o da Solução Final. Em 1942, Heinrich Himmler, chefe das SS (as principais tropas nazistas), passou um memorando à administração do campo para a execução da Solução Final do Problema Judeu. Basicamente definia que os judeus de todos os territórios ocupados pela Alemanha deveriam ser fisicamente exterminados. A partir daí, milhões de judeus confinados em guetos e campos de concentração passaram a ser transportados para os campos de extermínio. A execução em massa foi colocada em prática em Auschwitz já nesse momento e se calcula que 90% dos mortos eram judeus. Os demais eram ciganos (Bikernau tinha uma parte dedicada somente aos roma, que é a definição correta para esses povos), prisioneiros soviéticos de guerra (a maioria deles foram usados em experiências "científicas" e torturas pelos médicos de Auschwitz), presos políticos de origem polonesa (geralmente eram fuzilados e/ou enforcados em julgamentos conduzidos pela Gestapo).


O segundo marco é a destruição do campo, feito realizado pelos próprios nazistas. Em janeiro de 1945, diante dos avanços do Exército Vermelho, os nazistas decidiram destruir as evidências de seu crime em Auschwitz. Dos 5 crematórios que o complexo de Auschwitz - Birkernau, somente um não foi explodido a tempo - ele foi transformado num abrigo antiaéreo pelos oficiais nazistas. Desses 5, 3 foram destruídos com dinamite e um deles foi destruído após uma revolta de um grupo judeu que ia para a câmara de gás mas que conseguiu destruir o lugar. Cada crematório era acompanhado de uma câmara de gás e, nela, se montavam chuveiros falsos e se prometia aos prisioneiros um banho de "descontaminação". O que ocorria, contudo, é que os nazistas trancavam as pessoas e abriam latas e mais latas de um pesticida conhecido como Zyklon B. O gás entrava por uma tubulação no teto e sufocava todos em questão de minutos. Assim, 20 minutos depois, os mortos eram recolhidos. Suas obturações, próteses, óculos, brincos e jóias eram retirados e os corpos eram então incinerados.





Essas são as duas principais narrativas presentes ao andar em Auschwitz 70 anos depois. A destruição física de 1 milhão e 300 mil pessoas e a tentativa dos nazistas em apagar seus vestígios diante do fim da guerra.

No complexo de Auschwitz I, que é o mais famoso, encontramos o portão de ferro com a frase gravada: "o trabalho liberta" (Arbeit Macht Frei). Esse lema estava inscrito em quase todos os campos de concentração da Alemanha nazista, se referindo ao fato de que os prisioneiros só podiam alcançar sua liberdade se trabalhassem. Diferentes companhias alemãs se aproveitaram disso e usaram da mão-de-obra dos prisioneiros (Wolkswagen, Porsche, Thyssen, Krupp, Bayer, Louis Vuitton, entre algumas das mais famosas). Mas o complexo Auschwitz-Bikernau não era só um campo de concentração. Ele era também um campo de extermínio. Se havia alguma liberdade possível para os presos em Auschwitz, ela se encontrava em resistências praticamente suicidas. Ou na própria morte.


Quando os presos chegavam, eles eram devidamente fichados e catalogados. Mulheres eram separadas dos homens e as crianças, dependendo da idade, geralmente ficavam com as mulheres. Lá, ambos eram despidos e obrigados a abandonar suas roupas e seus pertences, utilizando um uniforme listrado e com diversas identificações sobre o motivo pelo qual estavam no campo. Essas identificações eram costuradas nas roupas (triângulos e estrelas de diferentes cores) e, no caso dos judeus e dos ciganos, na tatuagem de registro - nos roma elas eram feitas na coxa, nos judeus no braço. Se calcula que cerca de 1/4 das pessoas que chegavam em Auschwitz iam para os campos de trabalho forçado. Os demais chegavam tão combalidos que sequer tinham chance de se recuperarem.  As viagens de trem eram longas e os prisioneiros eram confinados podendo ficar até mesmo 7 dias sem comer e bebendo basicamente a água degelada da neve. Os que não tinham condições físicas iam direto para as câmaras de gás.

No museu de Auschwitz, os prédios intactos de Auschwitz I guardam as recordações desses momentos de angústia. Documentos vários, mas também as evidências físicas da destruição. Próteses, óculos, brinquedos de crianças... Numa das salas, as malas daqueles milhares de deportados. Os judeus húngaros acreditavam que ao chegar na Polônia, receberiam lotes de terra e teriam um emprego. São eles o maior número de mortos em Auschwitz: ao todo foram 438 mil judeus húngaros. Essas promessas não cumpridas explicam milhares e milhares de malas com os nomes das pessoas que ainda acreditavam que não estavam indo para Auschwitz para serem exterminados. Ironicamente, o campo era chamado pelos nazistas de "Canadá", pois os poloneses acreditavam que o Canadá era uma espécie de nova terra prometida para eles fugirem.


Ao chegar lá, problemas com a higiene, a qualidade da água, a qualidade da comida e a necessidade de conviver com os próprios excrementos criavam péssimas condições de habitação. Num dos relatórios, é possível ver que um surto de disenteria ocorreu no campo por conta da linguiça, usada nos ensopados, estar cheia de coliformes fecais (em tempo: para muitos judeus praticantes, o consumo de carne de porco é proibido...e os nazistas sabiam disso). Em outros, pede-se para que os prisioneiros não revirassem o lixo para comer - pois os oficiais tinham dado ordens para colocar veneno de rato nas lixeiras. A degradação era constante - e o tipo físico se alterava com isso. Os sobreviventes viviam à beira da morte por inanição. A falta de calorias, o trabalho extenuante de 10 a 12 horas diárias no frio e a falta de água potável criavam situações terríveis.


Porém, pouca coisa nos chocou tanto quanto a entrada numa das salas onde estavam os resquícios do extermínio. Montes e montes de cabelo humano, colocadas ali, empilhadas e contabilizando toneladas de fios. Esses fios eram vendidos para companhias têxteis que faziam tecidos a partir dele. No total, 1950kg desse cabelo são expostos ali para os visitantes lembrarem desse horror. Mas há um dado mais assombroso: o cabelo era comprado em sacos de 1kg por míseros 50 pfening (ou 50 centavos do marco alemão da época). Naquele momento, a sensação é de vertigem - como se não soubéssemos o preço da vida humana, mas ao menos o de seus cabelos. Como se eles pudessem ser separados daqueles corpos que riam, choravam, amavam, odiavam, temiam...

A total destruição é narrada em diferentes ângulos. A parte específica dos prisioneiros políticos em Auschwitz I parece menos desumana do que estamos habituados. Mas isso é um ledo engano. Somos lembrados que essas pessoas tinham julgamentos sumários, sem direito de defesa e sentenciadas à morte - por enforcamento, como demonstração pública de terror, ou por fuzilamento. Alguns desses prisioneiros, contudo, serviam como cobaias para os médicos e cientistas que habitavam Auschwitz. Prisioneiros soviéticos, por exemplo, foram os primeiros a serem usados para os testes do gás Zyklon B. Cerca de 600 desses prisioneiros foram usados nos testes com o gás em 1941 - posteriormente a administração do campo matava esses prisioneiros em grandes valas coletivas ao arredor de Birkenau.

Nesses espaços havia também o campo das torturas. A ideia de "métodos científicos" para torturar foi levada a sério pelos nazistas. Eles calculavam quanto tempo um preso poderia ser afogado antes de perder a consciência, quanto tempo levava para ele morrer de fome, quanto tempo levava para morrer sem poder se mexer numa cela minúscula a rés-do-chão... Tudo isso era calculado e transposto para diferentes práticas para se obter informação e repassado diretamente para a Gestapo, a polícia secreta nazista. Por que os prisioneiros políticos eram usados para esses fins? Segundo os nazistas, todo inimigo político do sistema era visto como "bolchevique", ou "comunista". A ideia de um mundo dicotômico (nós X eles) facilitava os carrascos, médicos e torturadores a tratarem aquelas pessoas como indignas a qualquer respeito ou princípio humano. Uma prática que fora alargada posteriormente para todos que estavam no campo de concentração.

Aqueles que iam para os campos geralmente eram considerados criminosos pela legislação nazista. As prisões não eram mera arbitrariedade, mas processos documentados onde se comprovaria o crime num tribunal fechado. Para catalogar esse contingente, os nazistas criaram legendas de insígnias que acompanhariam os uniformes dos presos: 

Triângulo vermelho: prisioneiros políticos.
Triângulo vermelho invertido: prisioneiro de guerra ou espião.
Triângulo verde: criminosos comuns (geralmente esses eram transformados em kapo, capatazes que eram responsáveis por "disciplinar" os grupos de trabalho).
Triângulo azul: trabalhadores escravizados de terras conquistadas pelo nazismo.
Triângulo roxo: testemunhas de Jeová e demais grupos religiosos que não juravam lealdade ao partido nazista.
Triângulo rosa: homossexuais, pedófilos, estupradores e zoófilos.
Triângulo preto: indivíduos antissociais. O termo era usado principalmente para os roma, mas também para alcoólatras, deficientes, mendigos, pacifistas, prostitutas, viciados, entre outros.
Triângulo marrom: Usado somente para os roma em Birkenau, para diferenciá-los dos demais "antissociais".


A estrela de David amarela marcava os judeus. Porém, muitas vezes o indivíduo era judeu e fazia parte de um dos grupos. Assim, formava-se uma estrela a partir de dois triângulos: o triângulo que identificava o seu crime e o triângulo amarelo, que atestava que o indivíduo era também judeu.


As múltiplas nacionalidades perseguidas e atingidas pelo campo foram devidamente contempladas com exposições permanentes. São interessantes para se perceber as múltiplas narrativas construídas sobre a fatalidade que os judeus chamam de shoah (que significa "calamidade"). Assim, franceses lembram da rendição perante os nazistas, enquanto os holandeses e os belgas lembram o horror da comunidade judaica (aliás, foi em Auschwitz que a jovem Anne Frank foi condenada à morte). Outros povos como os tchecos e os eslovacos lembram de Treblinka, o campo mais próximo de sua região (no qual foram mortas cerca de 900.000 pessoas), enquanto húngaros relembram a morte de milhares de judeus e ciganos que saíram de suas terras e nunca mais voltaram. Algumas narrativas são heroicas, como a dos poloneses - que reivindicam sua identidade nacional acima de tudo, criticando tanto a ocupação nazista como a ocupação soviética - e também a narrativa russa, que rememora a luta soviética e a libertação de Auschwitz pelo Exército Vermelho. Há também um espaço para os roma, os ciganos, que não possuem um Estado nacional e que só em 2011 tiveram o reconhecimento pelo governo polonês de que eles foram atingidos pelo holocausto nazista (o número, contudo, varia nas estatísticas oficiais para cerca de 220.000 ciganos, ou 25% da população romani da época). Essa é uma narrativa bem mais difícil e que apesar de catastrófica, é muitas vezes esquecida pela visão hegemônica do holocausto como um fenômeno da história judaica. Ou simplesmente pelo fato de que os Estados nacionais europeus até hoje hostilizam e marginalizam as comunidades romani.



A visita a Auschwitz I termina no Crematorium I, o único crematório que restou de pé em todo o complexo. Transformado em abrigo anti-aéreo, ele ainda guarda a sala da câmara de gás e os fornos do crematório. Nessa sala eu nem tenho muito a dizer para vocês...foi como se todas as vozes do mundo, entre vivos e mortos, gritassem de forma ensurdecedora na minha mente. As paredes não tinham nenhuma marca senão a do tempo. Os fornos estavam velhos e carcomidos pelo passar dos anos. Mas havia uma espécie de aura que não me deixava descansar. Ali eu senti medo. Se em outras partes me senti chocado, indignado e triste, ali tudo que restou foi o medo, foi o abandono.


Acho que hoje é difícil de escrever mais...ainda teria o que falar sobre Auschwitz II, o campo Auschwitz-Birkenau que era usado como campo de extermínio. Mas por ora é preciso pensar mais, é preciso deglutir mais...é preciso não ter medo.