sábado, 25 de outubro de 2014

Bolsa Família na França

Te juro, eleitor brasileiro. Aqui tem bolsa família também. Eles chamam de outra coisa: um tal de RSA, Revenu de Solidarité Active, ou Renda Solidária Ativa. Para mim e para Juliane, daria mais ou menos uns 700 euros mensais. Chegamos a cogitar a ideia de solicitar, mas ficamos meio constrangidos..."pô, é chato, a gente economizou uma grana, tá super batalhando...será que vale se aproveitar dos caras?" Bom, esse é o nosso pensamento brazuca. Como sou cidadão europeu, daria para pedir bem tranquilamente. Mas não o fizemos.

A gente não fez porque a gente é brasileiro, de uma forma meio maluca. O primeiro programa de transferência de renda em âmbito nacional foi o bolsa família. Até hoje a gente vê gente chiando no Brasil porque o programa "sustenta vagabundo" (ou coisa do tipo). Caro amigo brasileiro, cara amiga brasileira, vamos deixar vocês bem tranquilos: saibam que na França, o RSA (o bolsa família deles) equivale basicamente a 2.100 reais. No Brasil, o bolsa família pode chegar no máximo a 200 reais (adicionando 70 reais por filho). Na França esse valor, como dissemos, chega fácil a 700 euros para um casal sem filhos (eu e a Ju). Isso dá mais ou menos metade de um salário mínimo francês. Se vocês acrescentarem aí o fato de que não se paga nem por saúde e nem por educação nessa terra, os gastos dos franceses e francesas são apenas os de aluguel, mobilidade urbana (amém, metrô) e alimentação.

E no Brasil? No Brasil, uma bolsa família mal dá para o sustento de uma família de fato. Tira eles da miséria, mas é preciso ainda muito mais. É preciso, claro, que a saúde e educação sejam gratuitas e boas o suficiente para garantir qualidade de vida ao cidadão. Mas para isso, lamento dizer, é preciso nivelar os salários de todo mundo. Aqui na França, um médico em início de carreira ganha cerca de 6 a 7 mil euros. Um salário mínimo francês é de cerca de 1200 euros. Amigo, o salário do médico francês em início de carreira é cerca de 6 vezes mais o salário mínimo. No Brasil, o Governo Federal oferece a médicos um salário de início de carreira de cerca de 10.000 reais se aceitarem participar do Programa Mais Médicos (a única contribuição compulsória dos médicos no sistema público de saúde). Isso equivale basicamente a cerca de 14 vezes o salário mínimo! Em início de carreira, voltamos a lembrar. E nem falemos de magistrados e políticos.

Mas o problema não passa só por eles. Amigo, experimenta sonegar imposto aqui na França. Sabe o que acontece? Se você sonegou menos do que 5% dos seus gastos, o juiz te chama e fica definido que você paga o não declarado. Mas caso a sonegação tenha sido maior...amigo, prepare-se: você pode ter que pagar até 80% a mais do valor do imposto. Sonegação aqui é algo sério e todo mundo tem que pagar por isso.

A gente nem consegue dizer que a França é o melhor dos mundos. Outros países tem melhores sistemas tributários e conseguem sociedades ainda mais igualitárias que os gauleses. Mas comparado com o Brasil, onde escapar do "leão" é sinônimo de malandragem, encarnação viva da lei de Gerson, aqui fica parecendo a Cuba socialista. Enquanto no Brasil alguns poucos podem gastar muito sem ter que arcar com qualquer responsabilidade por uma grande massa de pobres e miseráveis, aqui na França a ideia de "comunidade" pesa forte e os impostos são adequados a partir da realidade de manter a desigualdade sob controle.

No final das contas, me arrependo de não ter recorrido à assistência social francesa. Não é nenhum demérito. Faz sentido dentro de uma sociedade que se preocupa, minimamente, em não entrar em colapso. Mas em terra brasilis...sei não, tenho receio do que o próximo dia 26 de outubro possa nos apontar. 


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