terça-feira, 30 de setembro de 2014

Eleições - Parte II

O Fernando escreveu ontem sobre eleições e levantou a bola para mim: fazer um texto sobre as repercussões da gincana eleitoral brasileira aqui na França. Isso talvez porque eu esteja lendo as notícias daqui, mas também porque ele é preguiçoso.

Semana passada (eu acho) vi na minha timeline algumas pessoas compartilhando um texto sobre a Marina Silva que saiu no jornal francês L'Humanité intitulado "Marina Silva, a nova direita brasileira". A chamada de capa não deixava por menos, dizendo ser a candidata criada por Washington para derrubar Dilma. Sendo um jornal declaradamente de esquerda, a reportagem do L'Humanité não surpreende: aponta para os parceiros de direita (Neca Setúbal e cia.) e para a política neoliberal proposta. Para quem lê em francês, o texto está disponível nesse blog aqui.

Um adendo importantíssimo: aqui na França, como nos EUA, e no resto da Europa, o pessoal "dá nome aos bois", ou seja, as posições políticas dos jornais são declaradas, não é a falácia da imparcialidade que vivemos no Brasil. Essa ideia de que um grupo de mídia não tem posicionamento político é uma bobagem, e aqui os jornais assumem suas posições e avaliam o cenário internacional conforme uma determinada linha editorial. No Brasil, a gente tem revistas como a Veja que estão cada vez mais próximas da extrema direita e, ainda assim, não assumem sua posição editorial de fato.

Mas voltando à vaca fria: como essa recepção da eleição brasileira aqui me interessava bastante, fui atrás de outras notícias sobre o assunto nos jornais de maior circulação. Lendo algumas dessas notícias (todas da última semana) chama a atenção algumas nomenclaturas e alguns apagamentos, o que já era esperado. Para começar, confesso que ler que Dilma é uma candidata da "esquerda" me soou estranho na primeira leitura (para o Le Parisien ela é); já Luciana Genro é considerada candidata da extrema-esquerda (o que sobra para o PSTU?!?!) pelo Libération. E aproveitando o ensejo: os candidatos menores praticamente não são mencionados. O debate de domingo passado, por exemplo, que teve como grande destaque negativo as criminosas afirmações de Levy Fidélix, só foi mencionado vagamente e sempre em torno de Dilma e Marina. Aécio mal aparece, quase entra na conta dos "pequenos": aparece nos dados de pesquisa, nada mais (no Le Parisien, o candidato tucano é referido como "social-democrata", o que mostra que os franceses ainda não estão entendendo nada).


Assim, sendo o centro do debate Dilma e Marina, os jornais intercalam entre informações sobre a recessão econômica que o país viveria, pauta da direita do Fígaro e da direita-católica do Le Croix.  O Les Echos, liberal, destacou ontem a última pesquisa favorável à reeleição e suas consequências imediatas: bolsa em queda, desvalorização do real (hoje o jornal deu destaque ao debate do último domingo, segundo eles "agressivo" e que girou em torno de discussões sobre a economia)

Já o Le Parisien (centro) ficou em pautas mais neutras: hoje destaca a batalha de Dilma para evitar um segundo turno, trazendo dados das últimas pesquisas e terminado com um breve comentário acerca das acusações trocadas por Dilma e Marina do debate de domingo (texto em francês aqui). O Le Monde, que se diz centro esquerda, e é o mais conhecido fora daqui, tem dado bastante evidência a Marina: em reportagem de 27 de setembro destaca que Marina Silva não é uma unanimidade entre os evangélicos (infelizmente não consigo ler a reportagem sem pagar, je suis desolée). No dia anterior, havia destacado um perfil da candidata.

O Libération, centro esquerda ou esquerda social-democrata,  no dia 22 já chamava a atenção para queda de Marina e no dia 24 de setembro destacou o apagamento das discussões sobre aborto e direitos GLBT entre os principais candidatos (acho que rolou até uma insinuação de que os candidatos se escondem dessas pautas na pauta econômica). Destaques da reportagem: ao comentar o debate organizado pela igreja católica um ponto de exclamação entre parênteses e a possibilidade de reflexão proposta no texto através das falas do sociólogo Rudá Ricci, que define o Brasil como um país paradoxal, liberal e reacionário. (Essa terra não é para principiantes, já disse o Tom.) Segundo o raciocínio proposto, os pobres são estigmatizados no Brasil, acusados de abortar, se drogar, etc., assim, quando há um recuo nas taxas de pobreza e esses pobres ascendem economicamente, assumiriam uma postura reacionária como forma de demarcar sua nova condição social.

Isso dá pano para manga: a maior dificuldade dos franceses em nos entenderem é que eles parecem não saber muito sobre mobilidade social. O Estado de bem-estar social aqui já é bem acabado, resiste às pressões de austeridade vindas da União Europeia (frau Merkel) e, apesar de existir miséria na França (e cada vez mais), não parece que eles conhecem essas histórias que a gente tanto gosta de gente que veio de baixo e subiu na vida. Portanto, a ideia de que quando subimos de vida renegamos o nosso passado ecoa muito.

Quem deu a morta foi o Fernando: não deve ser fácil para eles entenderem um país no qual a dialética  sai do papel e se concretiza...

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