sexta-feira, 26 de setembro de 2014

O coração do mundo

Ontem fomos dar a nossa voltinha já tradicional no 11eme e para isso fazemos umas duas baldeações de metrô, tudo muito tranquilo nessa malha metroviária de morrer de inveja.  Mas desde sábado sentimos que há uma tensão pairando no ar: no último final de semana, também retornado do 11eme, passamos por uma espécie de revista, na qual teríamos que mostrar nossos tíquetes de metrô novamente, assim pensávamos. Para nossa surpresa inicial, não precisamos: somente a comunidade muçulmana passava pela revista. Foi um momento de incômodo e de percepção da realidade francesa que não está nos guias turísticos (e o Fernando já falou um pouco ontem, e acho que temos falado aqui de maneira tangencial em muitos momentos): a tensão social aqui é imensa. Claro que para turistas brancos ela pode passar despercebida, mas quando você olha e repara, o problema todo está exposto.


Voltando ao dia de ontem: quando entramos na nossa estação, às 17h da tarde, percebi que em um das saídas um homem uniformizado observava os transeuntes. Ao passarmos as catracas, novamente nos deparamos com aquela revista: "monsieur/madame, son ticktet, s'il vous plâit". E de novo passamos batido. Perto das 22:30 da noite, voltando do 11eme, novamente a revista e desta vez precisamos mostrar nossos tíquetes como todos. Fomos esperar o metrô e do outro lado da estação mais funcionários uniformizados revistando homens árabes (e nesse caso eles foram levados para algum lugar).

Domingo, Hervé Gourdel, montanhista francês, foi sequestrado na Argélia por um grupo jihadista. Na quarta-feira foi divulgada a sua morte (decapitado pelo grupo): a morte seria uma represália à participação francesa nos ataques ao Estado Islâmico no Iraque. 

Somado a isso, o primeiro ministro iraquiano declarou ontem que o Estado Islâmico planeja ataques aos metrôs de Paris e dos EUA, o que explica toda a movimentação  na cidade. Segundo o Le Monde, a segurança será reforçada nos metrôs, em pontos turísticos e em grandes lojas.

Claro que esse foi o assunto de todos os jornais por aqui, muitos deles caindo no discurso islamofóbico, como a enquete postada pelo jornal Fígaro que perguntou à população se ela achava as condenações feitas pela comunidade muçulmana francesa suficientes (responsabilizando assim essa comunidade). A enquete foi retirada do ar depois de muitas críticas (texto em francês).  Em contrapartida, o jornal Rue89 fez um artigo bem didático e divertido sobre a exigência imposta à comunidade muçulmana: pedir para que eles se dissociem da barbárie do estado islâmico seria o mesmo que exigir que os escritores se dissociassem do Paulo Coelho (muitos risos!); que os cristãos se dissociassem da Ku, Klux, Klan; que as cantoras se dissociassem da Miley Cirus; que os bonecos se dissociassem do Chuck (mais risos!), etc. (para quem lê em francês o artigo está aqui). 

Ontem, um cadáver de leitão foi encontrado morto em frente a um mesquita, para dar uma ideia do clima instalado.

Ainda não sei muito bem como digerir isso tudo, mas já deturpando os dizeres de Sara em Terra Transe, me sinto lançada no coração do mundo e de seu tempo.

PS: Para não preocupar ninguém, o governo francês garante que não há indícios de qualquer ataque terrorista em curso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário