segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Colonialismo francês - parte I

Talvez nem todo mundo saiba - e a gente certamente não sabia - mas muitos museus parisienses são de graça no primeiro domingo de cada mês. Em vários sites é possível encontrar uma lista de quais os museus que são de graça e em que época. Mas no geral, eles são careiros (o preço padrão é de cerca de 9 euros por pessoa). Sendo assim, primeiro domingo do mês é dia de museu. O problema é que nós, os habitantes de Paris e a torcida do Flamengo tomamos o mesmo rumo e a tendência é de que as filas dobrem as enormes quadras parisienses nesses domingos. Por isso, acabamos optando por um passeio em alguns museus menos conhecidos.

O nosso roteiro original envolvia visitar o museu da Idade Média francês, o museu Quai Branly e o museu de artes asiáticas. Como a Juliane deixou tudo na minha mão, optei por três museus históricos mesmo. O problema é que ainda sentindo os efeitos do jet lag, acabamos dormindo mais do que queríamos e só saímos à tarde. Cortamos o museu da Idade Média (fica para uma próxima) e fomos para Quai Branly e depois para o das artes asiáticas. Porém, como eu não olhei direito os horários, só conseguimos ver todo o Quai Branly e uma parte do asiático. Mas foram bons passeios, com direito a uma caminhada pelas margens restauradas do Sena, entre a ponte Alexandre III e a ponte l'Alma.

O Quai Branly é um museu interessante, do tipo que nunca encontraremos no Brasil. Ele expõe, no pavilhão térreo, coleções da Ásia, da África, da América e da Oceania. E nos pavilhões superiores, há algumas amostras e exposições temáticas. No início, atraído por uma das exposições, fomos vê-la no segundo andar. Chamava-se "Propaganda" e era uma mostra de posters vietnamitas que retratavam as mulheres na época da Guerra de Libertação do Vietnam. Era bem interessante e avaliava o papel da luta colonial e como as imagens femininas serviam diferentes propósitos políticos (a mulher camponesa, a mulher soldado, a mulher enfermeira...todas elas apareciam em cartazes coloridos, com uma estética muito diferente do que se poderia imaginar de algum tipo de realismo soviético).



Porém, se a exposição temporária problematizava o colonialismo, o mesmo não dá para dizer do Quai Branly, Não é que o museu seja ruim - pelo contrário, pois o acervo é impressionante e a parte de África parece ter todo um trabalho etnográfico que as demais não tinham, ou tinham pouco. Mas havia dois problemas: 1) a Europa estava ausente do museu e 2) a França estava ausente do museu.

O primeiro ponto é mais para situar o leitor: imagine um museu sobre a história do mundo que não fale nada sobre você. Algo está sendo deliberadamente escondido. As coleções de diferentes partes do mundo eram apresentadas como "exóticas", estranhas aos olhos de milhares de turistas - inclusive nós. Mas não havia ali nenhuma problematização sobre como a história da Europa é também recheada de exotismo. Isso é algo que incomodou muito mais na saída do que no próprio passeio, mas ficava suficientemente claro que o museu tinha como objetivo mostrar o "não-europeu" como algo bizarro, digno de admiração espantada, como animais num zoológico. Edward Said ficaria constrangido com Quai Branly.



Mas o segundo ponto talvez seja o mais complicado de se referir aqui. A ausência da Europa é até compreensível dentro dos propósitos do museu. Mas a ausência da França não tem somente a marca do etnocentrismo, mas também do colonialismo. As inúmeras peças expostas são identificadas em idade, funcionalidade dentro da cultura de onde foi retirada, os materiais que eram feitas...tudo estava ali, em francês e inglês. Mas como máscaras rituais da Polinésia, coroas de reis da Etiópia, cacetetes de índios tupinambá e tapeçaria otomana estavam todas reunidas no mesmo lugar? Há um apagamento incrível de como essas peças chegaram no museu e como elas foram dispostas. Não se fala nada da colonização francesa na Oceania, na África, na Ásia e na América - o principal fenômeno histórico que explica a existência do acervo do museu de Quai Branly.

Não quero com isso dizer que as pessoas não devem visitar o museu. Claro que devem! As coleções são fantásticas e, como disse antes, a parte de África é sensacional. Mas o museu deve ser visto como algo mais incômodo para os franceses: ele é o museu das conquistas imperialistas da França ao longo dos séculos XIX e XX e um ode ao etnocentrismo. E infelizmente parece que zuar o colonialismo não faz parte da pauta do dia na Île-de-France.

5 comentários:

  1. fico bem feliz que a gente não encontre museus desse tipo no brasil ;)

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  2. Meninos, vocês já viram a revista que circula gratuitamente em Paris contendo todas as exposições, shows, museus, inclusive os com entrada franca?
    Outra coisa, há um passe museu que vale por 3 dias (pelo menos este foi o que comprei não sei se tem outros) e podemos visitas quase todos os museus e passar sem fila, já direto e sem pagar nada mais por isto?
    Ah, não deixem de ver o museu da Idade Média, de Orsay e o Palácio de Versalhes, além do louvre claro! Se puderem, deem uma passadinha no museu do homem também.
    ps: tentei por este comentário umas três vezes, acho que agora vai! :P

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  3. ahhh to com o meu id do google, sou a Jeanyne

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  4. Compramos o passe de 6 dias, e estamos achando que fizemos uma ótima aquisição. Sobre a revista, já nos falaram, mas ainda não vimos, não. Vamos procurar :)

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  5. Show então!
    Juliane, experimentem a pizza do Lidl, principalmente a de peperoni por 1 euro, e a lasanha também é boa e é bem grandinha até. :)

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