sábado, 6 de dezembro de 2014

Os últimos dias de Maria Antonieta

Hoje resolvemos retomar um passeio turístico que tinha ficado para trás: visitar a Conciergerie, que era o antigo palácio real francês localizado na Cité, uma famosa ilhazinha no centro de Paris. Apesar dos reis terem abandonado o lugar no século XIV, ele seguiu sendo um importante centro administrativo da monarquia francesa até a Revolução Francesa. E, de certa forma, o grande encanto da Conciergerie é ver a cela onde Maria Antonieta passou seus últimos dias. Mas nem tudo é tão fácil.

A primeira coisa que a gente pode dizer é que essa visita valeria muito (e bota muito nisso) mais a pena se a gente tivesse feito um combo: "Sainte Chapelle" + "Conciergerie". Esse combo é uma boa não só porque é econômico (você economiza 4 euros), mas também porque elas são praticamente grudadas uma na outra, fazendo parte do mesmo complexo administrativo e junto com o Palácio da Justiça. Na verdade, as duas são fruto da administração monárquica francesa antes da Guerra dos Cem Anos, então é uma forma de conhecer um pouco mais sobre os tempos da França medieval - para quem se pilhar muito, ainda tem o Museu Cluny (embora esse eu ache que deixe a desejar).

Mas há que se dizer que a Conciergerie tem também a seu favor o fato de que por ser um prédio bastante administrativo - e que tem como atrativo somente as antigas prisões da época da Convenção  e a sua arquitetura gótica - ela geralmente têm uma exposição inclusa no preço do ingresso. Entonces, além de ver o local, você vê a exposição do momento. E acho que demos sorte (embora a Ju não tenha curtido tanto): a exposição era justamente sobre os 800 anos de Luís IX, o rei da França que mandou construir aquela maravilha que é a Sainte Chapelle. O Luisito ainda tem (ou tinha), a seu favor, o fato da Cruzada que ele empreendeu ter sido um fracasso e ele ter morrido na Tunísia - e nem por isso os franceses ficam de chororô por causa do rei morto na África (estou falando com vocês, sebastianistas portugueses!).

O que eu curti na exposição foi basicamente que ela segue os caminhos da biografia que o historiador Jacques Le Goff fez sobre o rei, ou seja, ela tinha uma metodologia própria e que analisava três coisas: as aproximações e os distanciamento entre mito e realidade na figura do rei, a junção do poder político com o poder religioso na Idade Média e a memória construída acerca da figura do Luís. Então deu para ver coisas sensacionais da arte medieval, que deu um boom no século XIII exatamente pela obsessão de um monarca com a figura do martírio de Cristo. Essa figura ficou meio apagada nos séculos posteriores, mas no breve período monárquico pós-Revolução Francesa, o Luís voltou a ser lembrado como um "bom rei cristão e francês". Que beauté... 

A Ju não curtiu tanto porque, segundo ela, a figura do monarca não mexe lá muito com o imaginário dela. Mas eu vi ela bastante interessada com algumas esculturas, iluminaturas e vitrais que a exposição mostrava. E dá para dar uma abalada mesmo, deem uma olhada:





Mas o que importava mesmo na Conciergerie era ver os últimos dias de Maria Antonieta. Ir na cela onde ela ficou, esperando pela sentença final - a morte por guilhotina. Claro que antes disso, você precisa passar por uma lojinha de souvenirs (inclusive deve ter sido uma das mais caras que vimos aqui em Paris). Um troço louco ver livrinhos para crianças dizendo como a Maria Antonieta era boazinha...mas nenhum livro infantil falando de como o amiguxo Robespierre era um cara legal. Sinal dos tempos, eu acho.

Bom, o fato é que quando chegamos na reprodução da cela da Maria Antonieta, foi meio decepcionante. Estava atrolhada de turistas e, para piorar, ainda tinha uns bonecões de cera vestidos como guardas e um deles, no meio, como se fosse a própria rainha da França. Não apenas achamos ruim, mas deu aquela sensação de que o lugar era mesmo para "atrair" turista e que não adianta nada ficar achando que ela morreu ali. Tudo que tinha na cela era quase uma encenação mesmo. MAS, como a gente é brasileiro e não desiste nunca, fomos conhecer o resto das celas e descobrimos que a verdadeira cela da Maria Antonieta na verdade foi destruída, a mando do rei Luís XVIII, para que fosse erguida ali uma capela.

A capela é bem bonitinha, mas sem grandes ornamentos. E é ali que se encontra uma placa de mármore preto dizendo que foi ali, de fato, que a mulher dos brioches ficou antes de perder a cabeça na guilhotina. Valeu ter visto, pois o lugar estava menos cheio (a maioria dos turistas vai direto para a cela de "mentirinha") e, por ter virado uma capela, parecia menos...digamos, profano.

Sem sorte semelhante, o deputado jacobino Maximillien de Robespierre, figura-chave no período da Convenção e no Terror Revolucionário, tem menos destaque. Ele, assim como muitos dos políticos e cidadãos que ele mandou para a guilhotina, também passou seus últimos dias na Conciergerie. O lugar onde ele presumidamente havia ficado se tornou uma salinha minúscula, que leva a uma das saídas do lugar. Aparentemente tinha um pessoal que curtia ele nos anos 1930, mas no século XXI ele parece estar em baixa.


Mas e os últimos dias de Maria Antonieta? A Conciergerie diz algo sobre eles? Bem, sim e não. É legal ver onde ela passou, de fato, seus últimos dias. Numa das salas têm inclusive um vídeo lembrando o seu julgamento. Porém, o que tudo indica é que Maria Antonieta estava completamente isolada naquele momento. Sem os seus filhos e com o marido tendo sido executado alguns meses atrás, ela era uma mulher que se apegara a religião nos seus últimos momentos. Ela havia virado, durante a Revolução, símbolo do desperdício e da futilidade da corte. Para alguns jacobinos, ela era inclusive o símbolo de uma monarquia que sequer tinha amor à pátria (afinal, ela era uma austríaca e não uma francesa). O museu tenta captar essa sensação de isolamento, mas com tantos turistas e com uma cela de "mentirinha", isso não fica lá muito claro.

É um bom passeio, claro. Se você tem tempo em Paris e quer ter essa experiência, vale a pena (embora eu recomende fortemente ir na Sainte Chapelle depois). E, senão por outra coisa que não seja justiça poética, vale a pena comer um brioche no jardinzinho da Conciergerie. Só pela zueira, claro.

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