terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Livros e mais livros na praça Saint Michel

Eu admito que adoro uma livraria. Adoro ficar vendo os livros, vendo o que eu posso e não posso comprar. Gosto de cheiro de livro novo, mas não desprezo nunca um sebo (pelo contrário). O problema é que aqui em Paris, como o custo de vida é caro, a gente foi econômico nos livros até agora. Tínhamos ido até a livraria La Brèche, na Dausmenil, uma livraria de esquerda ligada ao Noveau Parti Anticapitaliste da França. É uma ótima livraria, com muitas obras de história e teoria social. A gente tá devendo outra visita para eles lá, quem sabe antes de voltarmos...

Mas esses dias a Juliane tinha ido para a Sorbonne e eu fiquei em casa. Quando ela voltou, me contou toda empolgada sobre a praça Saint Michel e suas livrarias. Claro que ela sabe como me seduzir ao falar de livros: muitos e com bons preços! Opa!

Hoje então fomos dar esse passeio pela rua e gente...o troço é inacreditável. Em pouco menos do que 200m, dá para encontrar três grandes livrarias onde livro novo e livro velho dividem prateleiras. E aí é fácil de encontrar bons preços.

Na primeira livraria que fomos, indicado pela Ju, paramos na Gibert Jeune. Fundada em 1886 e desde 1929 na place Saint Michel, os donos criaram várias livrarias - e cada uma delas com uma temática diferente: esoterismo, ciências sociais e ensino, sebos, bem-estar e médicos, papelaria, direito e economia e, por último, línguas e letras ao redor do mundo. Eu, claro, quis ir direto na livraria de História deles. E foi impressionante.


Na verdade, estonteante é a palavra certa. Vertiginoso. É livro demais! A sessão de História apresenta uma variedade incomensurável de livros, divididos em tantas categorias que chegam a fazer um historiador sonhar que outro mundo é possível. Por exemplo: eu pesquiso História do Trabalho. Nunca no Brasil uma livraria fez uma sessão sobre isso. Isso não quer dizer que elas sejam ruins, mas convenhamos que por não ser um campo lá muito legitimado, as livrarias geralmente têm somente uma estante de "História" e era isso. Pois é, na Gibert Jeune tinha umas prateleiras só para isso. E centenas de outras categorias diferentes! Vertigem é a palavra! Mas admito que fiz minhas comprinhas, saí de lá tendo gastado 9,30 euros comprando dois livros de bolso - um do Fernand Braudel e outro da Michelle Perrot.

Ponto fraco da livraria: estudos de gênero. A Ju tava procurando alguns livros da Judith Butler e a livraria não tinha nada nem dela, nem da Beatriz Preciado e, pasmem, nem da Simone de Beauvoir. Na real, achamos essa parte bem pouco contemplada na livraria (com apenas três prateleiras de uma estante de nove). A La Brèche é bem melhor nesse ponto! Na segunda Girard Jeune encontramos Simones, em um espaço ínfimo dedicado aos "estudos de gênero".

Depois de quase uma hora chafurdando entre os livros de História, Filosofia e Sociais, fomos então para a de Letras e Línguas, a pedido da Ju. Mas admito que foi bem legal! Eles têm um espacinho de literatura brasileira (Jorge Amado, Machado de Assis, Euclides da Cunha), mas o mais legal é isso: os livros dessa área são aqueles escritos pelos falantes da língua mesmo, ou seja, eles estavam todos em português. E o mais impressionante é que eles tentam mesmo colocar todos os países - embora sejam os anglo-saxões que têm mais espaço, com um andar todo dedicado a eles. E foi lá também, entre a literatura francófona, que a Ju comprou dois Flaubert e um Zola por 5,89 euros! E essas foram as nossas compras do dia: 5 livros por míseros 15,19 euros.

Mas isso não quer dizer que tinha acabado o nosso passeio pelos livros. Encontramos ainda mais duas livrarias no caminho, pela Boulevard Saint Michel (basta seguir a boulevard a partir da fonte que tem na praça). Lá vimos a Boulinier e a Gibert Joseph, ambas duas grandes e boas livrarias do Quartier Latin.

A Boulinier é mais especializada em livros antigos, cd/dvd e quadrinhos. Mas ela tinha a promoção mais ousada vista até então - balaios de livros que saíam por 0,20 centavos cada! Uma pechincha! Claro que não deu para encontrar nada lá muito bom, mas vale um dia de garimpo para quem tá querendo uma promoção do tipo "o-patrão-enlouqueceu". Para os historiadores, aviso: encontrei uma edição do Guilherme, o Marechal (do Duby) por míseros 3 euros. E tava bem inteira!


Já a Gibert Joseph é uma livraria que lembra mais as nossas megastore de livros, como a Saraiva e a Cultura. Ela é muito boa, mas se apega um pouco demais a ideia de "público diferenciado", então não espere encontrar muitas pechinchas (mas elas existem, só pra deixar claro). De novo, a parte de História era sensacional em termos de quantidade - os franceses realmente são obcecados com o meu metier. Mas a parte de estudos de gênero, bem...de novo ela deixava muito a desejar. E na verdade, mostrei para a Ju também que a própria parte de estudos sobre a escravidão também era bem fraca (somente duas prateleiras em toda a livraria). Claro que se a gente compara com as livrarias brasileiras, parece até bastante. Mas é aquela coisa: há áreas que estão bem melhor contempladas do que outras. É bizarro ter pelo menos quatro estantes para Idade Média e duas prateleiras para a escravidão, diga-se de passagem. E vale salientar que ela não é do mesmo dono da Gibert Jeune (elas se separaram em 1929).



O saldo final do passeio por essas livrarias? Positivo, claro. Os preços são ótimos para quem lê em francês - e, dependendo do caso, até para quem lê em outras línguas. Vale garimpar mesmo, embora a gente tenha que ter em mente que apesar dos preços, eles não são sebos tradicionais, onde você pode tentar negociar. Ali a coisa é bastante formal mesmo: você compra um livro com o preço estipulado e deu. Também, era esperar demais, né? Saldão e zueira, só no Brasil mesmo.

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