segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A Saga do Louvre - parte II

Hoje resolvemos dar uma volta pelo Louvre mais uma vez, na tentativa insólita de desbravar o maior museu da França. Se na primeira vez, fomos até o andar 0 (ver aqui), cheio de relíquias da Antiguidade Mediterrânea e Mesopotâmica, agora foi a vez de ir ao que eles chamam de andar -1. E aqui, algumas surpresas boas - mas também ruins.

Inicialmente essa parte se conecta com as anteriores, saindo do Império Romano e adentrando no Oriente Médio durante o Império Romano (algo do tipo "Império Bizantino") e uma seção especial dedicada ao Egito Copta, inclusive com...múmias! E múmias cristãs ainda por cima - sinistríssimo. Coroando tudo isso, também uma grande sala do Louvre (uma das mais recentes) que é a que fala da história do Islã, de 700 a 1800 dC. No geral, para quem adora História (eu! eu! eu!), é muito bacana ver esse olhar sobre culturas não-européias sem todo aquele teor colonialista que a gente já viu em outros museus (como o Quai Branly, por exemplo). Mas, levando em consideração que boa parte desses acervos foi "adquirido" no Líbano e na Síria, ex-colônias francesas no Oriente Médio, é bom ter cautela na afirmação.

De qualquer forma, vamos aos finalmentes:

1) Oriente Médio durante o Império Romano: não é a parte maaaaaais legal do museu, mas vale a visita. Tem aqueles mosaicos lindinhos adoráveis que os romanos ricos faziam em suas casas, geralmente com temáticas mitológicas. Depois que o cristianismo pegou naquelas bandas, as igrejas é que passaram a fazer os mosaicos, onde muitas vezes o que aparecia eram capítulos do Antigo Testamento ou até mesmo desenhos dos próprios templos. É legal para conhecer o que muitas vezes se chama de Antiguidade Tardia, que é esse momento pós-queda de Roma e que envolve o fortalecimento do cristianismo.


2) Egito Copta: muito interessante! A explicação mais simples sobre os coptas é que quando o Egito foi conquistado pelo Império Romano, a religião dos caras já era uma das mais sincretistas do mundo antigo. Eles misturavam a antiga mitologia egípcia com a mitologia grega e reinventaram tudo a partir da mitologia romana. Quando o cristianismo veio, a cidade de Alexandria se tornou um centro religioso e no século IV o Egito era uma região majoritariamente cristã. Só que era um cristianismo diferente e que se misturou, em muitos casos, com todas essas mitologias. Assim, os cristãos egípcios foram constantemente centros de disputas religiosas, heresias e tudo mais. Por que tô falando tudo isso? Calma que eu chego lá!

Quando os árabes muçulmanos invadiram a região, no século VIII, eles chamavam os egípcios de "copta" (algo que etimologicamente tem origem no nome "egípcio" em árabe). Só que os "copta" eram esses cristãos egípcios, então acabou confundindo etnia com religião. Que salada de frutas, não? De qualquer forma, para quem curte história da religião, é uma loucura! A gente vê nessa seção uma boa parte do cristianismo primitivo, com um sincretismo religioso incrível, misturando elementos da fé cristã, das mitologias laicas e até mesmo das crenças em santos e divindades que nós mesmo não conhecíamos (uma delas, a deusa Cybele, cujo culto originalmente se fundia ao de Gaia, dos gregos e entre os romanos passou a se diferenciar, sendo chamada de mater magna). Ah, e aqui tem múmias cristãs também, um arraso! (elas são múmias enroladas em sumários, mas é massa)



3) Islã: talvez tenha sido a parte mais legal desse andar do museu. Na parte do Egito Copta, coisas incríveis nos esperavam, claro. Mas no Islã, por ser a parte mais nova, o foco é bem mais na interatividade. O lugar tem pelo menos três mapas interativos que mostram a expansão do Islã e a formação de seus grandes reinos e impérios (bem, os reinos islâmicos subsaarianos a gente não chegou a ver...a ideia da África muçulmana era restrita somente aos bérberes, então isso é um ponto falho da exposição). Além disso, tem alguns videozinhos interativos que ensinam como eram feitas as cerâmicas muçulmanas e como eles produziam os seus livros já no século IX, o que tornava toda essa área substantivamente diferente do restante do Louvre - que no geral acaba sendo bastante tradicional enquanto museu.


Aqui você pode dar uma boa olhada em todo o processo de produção de cerâmica e nas técnicas químicas que eles usavam (já no século VIII), com especial ênfase no Irã - que seria o centro do império persa chamado de Ilcanato, criado lá nos séculos XIII e XIV. Muitos armamentos, claro, mas também tapeçarias incríveis, cerâmicas sensacionais, coisas deslumbrantes sem dúvida.


Vale um detalhe: para quem quer uma imersão histórica no mundo islâmico, aqui em Paris tem o Instituto do Mundo Árabe (a gente comentou brevemente nesse post), que é bem mais sensorial, com toda uma coisa de instrumentos musicais, sons de águas, cheiros, enfim... A área sobre Islã do Louvre é bem legal, mas se você curtir mesmo, tem que dar um pulinho no Instituto do Mundo Árabe.

Tá, mas o que é que tem de ruim no andar -1 do Louvre???

Pois então...justamente a parte medieval do Louvre acaba sendo meio uó. Porque na verdade, são as ruínas medievais do Louvre que...não são medievais! Essa bodega foi criada em 1528! E era um castelinho fofinho e tal, mas é chato...os muros do antigo Louvre nem eram tão legais e aí a gente ficou meio sem graça ao se dar por conta que não tinha nada demais lá. No frigir dos ovos, essa parte do Louvre deixa a desejar, mesmo para quem curte história. Não tem iluminaturas, ou grandes desenhos. E as esculturas medievais ficavam no andar 0 (que já tínhamos visto antes). Entonces, vale uma passada, mas tem coisas muito melhores para se ver no museu.

Saldo da segunda parte da saga? Positiva, porque é uma aula de História em boa parte do andar -1. Mas o andar 0 ainda tá ganhando na nossa contagem (vai, Código de Hamurábi!).

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