Nos últimos dias, sempre que
precisamos pegar o metrô, eu pego um exemplar gratuito do
jornal Direct Matin. É um jornal
diário francês e “de grátis”, disponível em praticamente todas as estações no
início da manhã. Quando a gente sai mais tarde, já não tem jornais disponíveis,
mas no geral eles sempre estão lá. Como jornal, ele serve para dar aquela visão
panorâmica básica. É como um Diário Gaúcho, mas sem sangue. E mulher pelada. E
futebol. Pensando bem, é um pouco diferente...
Se por um lado falta “zueira” no
jornal popular dos parisienses, não faltam motivos para se preocupar. Em quase todas
as edições que encontrei nos metrôs parisienses, há pelo menos uma notícia de
ataque de neonazistas. Geralmente elas aparecem nas partes policiais, em um
pequeno parágrafo contando o que essa gente fez. Situações que lembro agora,
por exemplo, incluem ataque a uma escola maternal com pichações racistas,
agressão a idosos judeus, ofensas num bairro islâmico, entre outras. Das vezes
que peguei o Direct Matin, em quase todas
elas encontrei uma notícia assim e mostrei para a Juliane com um semblante
preocupado.
No nosso dia a dia, essas situações
não são visíveis. É possível andar em Paris sem esbarrar num skinhead
neonazista – nós mesmo não vimos essa gentalha por aqui. Mas o fato de isso ser
noticiado cotidianamente me fez seguir duas linhas de raciocínio: 1) os jornais
aqui se preocupam MUITO com os crimes cometidos por neonazistas; ou 2) tem
tanto crime neonazista ocorrendo por aqui que é preciso, sim, divulga-los.
Admito que tais posições não são excludentes. É possível que, a medida que se
tenha bastante medo das repercussões do nazismo nessas terras, eles tenham a
preocupação de noticiar qualquer incidente – e, ao mesmo tempo, eles são cada
vez mais frequentes.
Mas tem algo mais aterrador
nisso: o fato dessas notícias ganharem um destaque pequeno no jornal, junto com
a sessão policial. São crimes, é claro, investigados e julgados como devem ser.
Só que ao ver tais notícias dispostas com pouco espaço, a impressão que fica é
de que elas são tão cotidianas para os franceses quanto um assalto a mão armada
para nós brasileiros.
Quando visitamos o Memorial da
Shoah, em Paris, o museu trabalhava com a ideia de que a República de Vichy foi
muito mais eficiente do que a Alemanha nazista mesmo na catalogação da
comunidade judaica. O próprio museu lembrava que o antissemitismo na França
tinha origens bem antigas e que o nazismo soube aproveitar-se disso. Porém, se
o processo de desnazificação na Alemanha segue ainda hoje – e ainda bem que
segue –, na França a história é outra. De uma forma geral, os franceses lidam
com a História de forma triunfante, se apegando a um passado onde eles eram “grandes
coisa” no cenário mundial. Explicar racismo, colonialismo e antissemitismo – e,
principalmente, fazer disso um tema de discussão nacional – não parece estar na
ordem do dia.
Há ainda outro fantasma a lidar,
esse sendo mais presente no momento: a islamofobia. Méritos para o atual
governo, que pelo menos não cai na islamofobia assustadora que parece ganhar
terreno no país. Ontem mesmo um turista francês foi morto pelos militantes do
grupo terrorista vinculado à organização do Estado Islâmico nos arredores de
Alger, na Argélia. Isso obviamente trouxe repercussões políticas assombrosas e
até ressuscitou a nefasta figura do Nicolas Sarkozy. Ponto para o Hollande e para
os socialistas nesse caso: eles podem até ser a favor de uma intervenção militar no Iraque,
mas ao mesmo tempo eles parecem não comprar integralmente o discurso de ódio
aos muçulmanos que parece mover tanta gente aqui na França.
E é aí que entram as notícias do Direct Matin. Há uma impressão, para o
nosso olhar brasileiro mal treinado nas tensões sociais europeias, que o ovo da
serpente tá sendo chocado. Fica a sensação de que se juntarmos pretextos
(inclusive os falsos) com vontade política, é possível ver a emergência de uma
direita francesa cada vez mais fascistona, com clara inspiração racista. E
falando nisso, a Juliane já lembrou: a Le Pen vem aí...e ela não é nada zueira!
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