Certa feita, fazendo um curso com a Jeanne Marie Gagnebin
(para que não conhece: é A especialista em Walter Benjamin no Brasil,
professora na Unicamp, suíça de nascimento, residente no Brasil desde 1978),
ela comentou que ao chegar no país resolveu fazer as aulas que o Roberto Schwarz ministrava na Unicamp na época para tentar entender melhor o seu novo país. Ela não fez
grandes comentários sobre essa experiência, mas relatou a falta que lhe fez uma indicação da leitura de Raízes do Brasil, do Sérgio
Buarque de Holanda, o que teria facilitado o seu processo de adaptação. Segundo seu depoimento, muito menos gafes ela teria cometido.
Nesse livro, Buarque enfatiza um funcionamento social brasileiro: a cordialidade, comportamento propenso à informalidade e gerido pela emoção/afetividade, mas algo que não tem nada de pacífico ou gentil. Um dos episódios usados como exemplares no livro é o relato de comerciantes holandeses quando no Brasil: segundo eles, era impossível fazer negócios aqui sem antes se tornar "amigo" do comprador/vendedor. Bom, alguém pode dizer: olha que legal, como somos afetivos! E o problema está exatamente nesse ponto: apagamos as distâncias e pessoalizamos relações. Um exemplo clássico da cordialidade é o compadrio, que permite que regras sejam esquecidas em nome de um vínculo afetivo. Ou mesmo a ideia da lei apenas como uma referência, não como algo a ser seguido ao pé da letra.
Por aqui, parece não haver espaço para essa afetividade cordial que nos é tão comum. Dia desses, conversando com brasileiros fumantes, eles relataram que os franceses não dividem cigarro, nem bebida, e o fato de pedir um cigarro para um deles pode parecer ofensivo. Me dei conta então que aqui as porções são (quase) todas individuais: a cerveja vem em long necks ou no pint (copo); o comum em restaurantes no almoço é o “prato do dia”: entrada + prato principal + sobremesa, tudo individual; nos cardápios, tudo individual pelo que vi até agora. Um outro ponto que chama a atenção é a impossibilidade de fazer visitas surpresas: não há um interfone, salvo prédios mais modernos pelo que vi, e um número de apartamento (nós moramos no 1ª andar à direita, por exemplo). Se você quiser me visitar vai precisar me avisar antes e/ou eu te dar a senha para entrar no prédio, ou eu te esperar ali fora para abrir a porta.
Em contrapartida, como os espaços são pequenos, no bar você vai ficar grudadinho no seu vizinho de mesa (que é minúscula!), podendo ouvir toda a conversa dele. Ontem estávamos em um bar aqui perto de casa, na rua, com um monte daquelas mesinhas redondas grudadinhas umas nas outras e em cada mesa, duas ou três pessoas. Olhamos para os nossos vizinhos de mesa e pensamos: se estivéssemos no Brasil isso logo viraria uma grande mesa de bar (como a gente adora!) e nós todos nos tornaríamos "amigos". Só que aqui, enquanto as pessoas estão fisicamente muito próximas, parece não haver nenhum interesse em uma confraternização.
Imagem meramente ilustrativa |
Ao mesmo tempo, eles são muito polidos: em qualquer lugar que você entrar receberá um “bonjour”, muitas vezes acompanhado de um “madame”/ “monsieur” (olha, nos últimos 32 anos devo ter sido chamada de "senhora" muito poucas vezes no Brasil). No final, um “au revoir” junto com um “bonne journée / bonne soirée”, ou algo que o valha. No Brasil, o contrário: mal damos bom dia, mas logo já estamos nos chamando por apelidos e nos dando beijinhos.
Se nós precisamos nos tornar "amigos" para nos relacionarmos, apagando formalidades e hierarquias, aqui isso parece estar completamente fora da jogada: a polidez, que permite que sejamos todos educados, também nos afasta pela formalidade que lhe é intrínseca. Não digo que isso seja ruim (nem bom?), mas me pergunto qual o espaço que a zueira tem nesse funcionamento, com esse marco civilizatório tipicamente francês: faz da relação com o outro uma cortesia. E a zueira nem sempre é cortês.
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